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Tese de Doutorado - versão final - Sistema de Bibliotecas da FGV ...

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percebido na narrativa <strong>de</strong> Welch (2001), quando se refere aos raros momentos <strong>de</strong> pausa do<br />

trabalho, durante as férias, em que se divertia com os filhos: “Tentava tornar aquelas<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s tão agradáveis e competitivas quanto possível, estimulando ao máximo as<br />

crianças. Quando voltávamos para casa, sempre fazia placas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira para o ‘Melhor<br />

Esportista’, o ‘Melhor Minigolfista’ e o ‘Melhor jogador’, e <strong>da</strong>va prêmios aos vencedores.”<br />

(p. 65) Sem qualquer pretensão valorativa <strong>de</strong>sse caso em particular, o que se preten<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>stacar é a clara transposição, <strong>da</strong> empresa para a família, <strong>de</strong> uma lógica <strong>de</strong> competição, <strong>de</strong><br />

diferenciação e <strong>de</strong> premiação. Até que ponto essa lógica é mais a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> que a <strong>da</strong><br />

cooperação? Até que ponto a educação familiar <strong>de</strong>ve se nortear pelas <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s do<br />

mercado <strong>de</strong> trabalho? Até que ponto os valores subjacentes à lógica empresarial <strong>de</strong>vem se<br />

sobrepor aos <strong>de</strong>mais valores humanos, como a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> e o altruísmo? Outro exemplo<br />

freqüente na mídia é a matematização <strong>da</strong> prole: pesquisas que informam o custo<br />

aproximado <strong>de</strong> se criar um filho até a graduação. A informação, em si, na<strong>da</strong> tem <strong>de</strong><br />

impróprio nem <strong>de</strong> inusitado. Qualquer família <strong>de</strong> mediana formação intelectual é capaz <strong>de</strong><br />

estimar tal custo. O ponto a ser ressaltado é que tais reportagens ten<strong>de</strong>m a reduzir uma<br />

<strong>de</strong>cisão familiar <strong>da</strong> maior relevância a uma mera análise <strong>de</strong> investimentos. Em alguns<br />

casos isso é explícito, quando, por exemplo, se compara o ‘investimento’ em um filho com<br />

o investimento em um imóvel. Mais uma vez, a transposição <strong>da</strong> lógica empresarial para<br />

outros contextos ten<strong>de</strong> a ser reducionista e ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>, se conduzi<strong>da</strong> <strong>de</strong> maneira acrítica.<br />

Outro tipo <strong>de</strong> transposição parece estar se popularizando no Brasil nos últimos<br />

anos, a partir <strong>de</strong> sua disseminação no mundo empresarial norte-americano: a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia<br />

corporativa ou organizacional. O peculiar <strong>de</strong>ssa transposição é se <strong>da</strong>r do mundo social para<br />

as organizações; e não ao contrário, como nos exemplos anteriores. Mas a mesma<br />

improprie<strong>da</strong><strong>de</strong> e a mesma aplicação reducionista é verificável. Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia corporativa é<br />

<strong>de</strong>fini<strong>da</strong>, na literatura técnica <strong>de</strong> Administração, como o “comportamento discricionário<br />

que não faz parte <strong>da</strong>s exigências funcionais, mas que aju<strong>da</strong> a promover o funcionamento<br />

eficaz <strong>da</strong> organização.” (ROBBINS, 2004:2) Dentre esses comportamentos voluntários,<br />

não reconhecidos nem recompensados formalmente, estão a aju<strong>da</strong> mútua, a prevenção <strong>de</strong><br />

conflitos <strong>de</strong>snecessários, o elogio às realizações <strong>da</strong> equipe ou <strong>da</strong> organização e a<br />

disposição em se oferecer para serviços extraordinários.<br />

Tal utilização do termo ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, por mais positiva e razoável que possa parecer,<br />

constitui-se em apropriação e redução <strong>de</strong> um conceito complexo a uma instrumentalização<br />

administrativa. O enre<strong>da</strong>mento na lógica empresarial, nesse caso, é por <strong>de</strong>mais sutil. A<br />

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