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Tese de Doutorado - versão final - Sistema de Bibliotecas da FGV ...

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enriquecimento é percebido <strong>de</strong> maneira bem diversa do que o seria no enriquecimento<br />

individual com a manutenção do padrão dos <strong>de</strong>mais. E a ampliação <strong>da</strong> ‘vizinhança’ com a<br />

qual ca<strong>da</strong> indivíduo se compara, faculta<strong>da</strong> pelas telecomunicações em larga escala, faz com<br />

que os referenciais <strong>de</strong> felici<strong>da</strong><strong>de</strong> se tornem ain<strong>da</strong> mais elevados. Nesse particular, há<br />

evidências, inclusive, <strong>de</strong> que a percepção <strong>de</strong> felici<strong>da</strong><strong>de</strong> é inversamente proporcional ao<br />

número <strong>de</strong> horas que um indivíduo assiste televisão (LAYARD, 2005). A esse fenômeno,<br />

<strong>de</strong>nominaremos hedonismo comparativo.<br />

A segun<strong>da</strong> linha <strong>de</strong> investigação tem suas bases em outra dicotomia na apreciação<br />

<strong>da</strong> felici<strong>da</strong><strong>de</strong> humana: a perspectiva cristã medieval, que a coloca no futuro, numa salvação<br />

pós-vi<strong>da</strong>; e a perspectiva humanista laica, que a coloca no presente como direito<br />

individual. A ética do trabalho, <strong>de</strong> base calvinista, subjacente ao capitalismo anglo-saxão,<br />

reúne o melhor dos dois mundos ao acenar com a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ser feliz no presente e<br />

no futuro, dupla felici<strong>da</strong><strong>de</strong> caracterizadora <strong>da</strong> condição <strong>de</strong> eleito. Não é por acaso que, na<br />

Declaração <strong>da</strong> In<strong>de</strong>pendência Americana, a busca <strong>da</strong> felici<strong>da</strong><strong>de</strong> se torna um direito<br />

individual comparável ao direito à vi<strong>da</strong> e à liber<strong>da</strong><strong>de</strong> (RIFKIN, 2005).<br />

O indivíduo concebido no Iluminismo se liberta, gra<strong>da</strong>tivamente, do jugo <strong>de</strong><br />

tradições que, não-raro, o infelicitavam em nome <strong>de</strong> uma futura bem-aventurança. Ao<br />

<strong>de</strong>terminismo <strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> estrutura<strong>da</strong> em papéis rigi<strong>da</strong>mente pre<strong>de</strong>finidos suce<strong>de</strong> a<br />

mobili<strong>da</strong><strong>de</strong> social auto<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> que sujeita aos processos <strong>de</strong> constituição<br />

subjetiva já discutidos. No entanto, o resultado <strong>de</strong>sse processo sócio-histórico é que,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> filiação religiosa, a busca pela felici<strong>da</strong><strong>de</strong> no presente (e não apenas<br />

no futuro) se torna legítima na contemporanei<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Algo, contudo, não funcionou como previsto nos i<strong>de</strong>ais emancipatórios. Eis que,<br />

inespera<strong>da</strong>mente, o aceno <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> sinaliza, ao mesmo tempo, um novo comando<br />

coletivo. E a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ser feliz se converte, inusita<strong>da</strong>mente, em imperativo. A<br />

infelici<strong>da</strong><strong>de</strong> per<strong>de</strong> seu caráter <strong>de</strong> preâmbulo para uma salvação pós-vi<strong>da</strong> e lega ao infeliz o<br />

duplo fardo <strong>da</strong> <strong>de</strong>sventura em si e <strong>da</strong> autocensura pela sua ‘incompetência’ em conquistar<br />

sua bem-aventurança presente. Liberto <strong>da</strong>s <strong>de</strong>terminações tradicionais, eis o indivíduo<br />

contemporâneo sob a vertigem <strong>de</strong> múltiplas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s existenciais e imerso na crença<br />

<strong>de</strong> que tudo po<strong>de</strong>. Ter uma vi<strong>da</strong> plena torna-se uma questão <strong>de</strong> escolha e uma<br />

responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> individual. Esse indivíduo não ‘po<strong>de</strong>’ ser feliz – ‘<strong>de</strong>ve’ sê-lo.<br />

Verifica-se, no mesmo âmbito, uma inusita<strong>da</strong> transformação no código valorativo<br />

humano: a felici<strong>da</strong><strong>de</strong> se torna o bem supremo, um objetivo inquestionável e prioritário. E<br />

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