Tese de Doutorado - versão final - Sistema de Bibliotecas da FGV ...
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i<strong>de</strong>al também <strong>de</strong>scrito como hedonismo imperativo no capítulo 10. Uma felici<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
compulsória e compulsiva que termina se inviabilizando por ser in<strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente busca<strong>da</strong>.<br />
Uma perspectiva <strong>final</strong> sobre a questão do sentido po<strong>de</strong> ser verifica<strong>da</strong> em uma <strong>da</strong>s<br />
observações <strong>de</strong> Viktor Frankl como prisioneiro em Auschwitz: a análise do<br />
comportamento dos ‘<strong>de</strong>sistentes’. Desistentes eram os indivíduos que se recusavam ao<br />
trabalho e aos cui<strong>da</strong>dos pessoais, mesmo sob ameaças. Se limitavam a fumar os últimos<br />
cigarros disponíveis, sem qualquer preocupação com seu <strong>de</strong>stino. Tal comportamento<br />
sinalizava e representava a <strong>de</strong>sistência <strong>de</strong> viver – o que, freqüentemente, ocorria logo em<br />
segui<strong>da</strong>. A conclusão <strong>de</strong> Frankl (1991), a partir <strong>de</strong>ssas observações, seria aplicável a<br />
contextos ‘normais’ <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>: na ausência <strong>de</strong> percepção <strong>de</strong> sentidos (significados), a busca<br />
do prazer imediato assume o controle <strong>da</strong> existência.<br />
Analisar a inanição <strong>de</strong> Mi<strong>da</strong>s sob esse enfoque po<strong>de</strong> levar a ilações inusita<strong>da</strong>s.<br />
Como, por exemplo, a in<strong>versão</strong> <strong>de</strong> uma possível relação causal entre hedonismo e ausência<br />
<strong>de</strong> sentidos. O imediatismo hedonista <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong><strong>de</strong> resulta num empobrecimento dos<br />
significados ou é esse empobrecimento que provoca tal imediatismo? Abdicando, mais<br />
uma vez, do aprisionamento a esquemas <strong>de</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong> simples, preferimos <strong>de</strong>screver esse<br />
fenômeno como duplamente implicado. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>da</strong> origem, po<strong>de</strong>-se observar<br />
uma dinâmica em que a busca do prazer imediato leva a uma erosão <strong>de</strong> sentidos e esta, por<br />
sua vez, acentua a <strong>de</strong>man<strong>da</strong> por tal prazer. Ingressar nessa dinâmica eventualmente<br />
lançaria o indivíduo em um ‘funcionamento <strong>de</strong> subsistência’: um modo automático <strong>de</strong> vi<strong>da</strong><br />
paradoxalmente análogo à luta pela sobrevivência dos primórdios <strong>da</strong> civilização. A<br />
ancestral luta diária por alimento e segurança se transforma na batalha cotidiana pelo<br />
consumo e pela melhoria econômica. A hostili<strong>da</strong><strong>de</strong> do meio-ambiente, por sua vez, é<br />
substituí<strong>da</strong> pela imprevisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do mercado <strong>de</strong> trabalho e do contexto organizacional.<br />
Provavelmente, o impacto contínuo do conhecimento, a relação litigiosa com o tempo, os<br />
múltiplos enre<strong>da</strong>mentos e as contradições do trabalho corporativo terminam por lançar<br />
muitos indivíduos nesse ‘funcionamento <strong>de</strong> subsistência’. Ou, na terminologia <strong>de</strong>ste<br />
estudo, aprisionando-os numa reflexivi<strong>da</strong><strong>de</strong> operativa que, por <strong>de</strong>finição, resulta numa<br />
apreensão <strong>de</strong> significados meramente instrumentais no trabalho. A inanição <strong>de</strong> Mi<strong>da</strong>s seria,<br />
então, uma carência <strong>de</strong> sentidos e, ain<strong>da</strong> pior, uma carência <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> apreendê-<br />
los em profundi<strong>da</strong><strong>de</strong>. O trabalhador-Mi<strong>da</strong>s adquire um dom prodigioso, mas, em<br />
contraparti<strong>da</strong>, po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r uma possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> humana insubstituível: a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
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