Tese de Doutorado - versão final - Sistema de Bibliotecas da FGV ...
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não tem a mesma acepção que em Husserl (ver o exemplo do triângulo no início do<br />
capítulo). Essência, para ele, tem a acepção <strong>de</strong> direção (caminho do pensamento), bem<br />
como a <strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mento (em que se fun<strong>da</strong> a técnica). Hei<strong>de</strong>gger (2002:11) observa, ain<strong>da</strong>,<br />
que “a técnica não é igual à essência <strong>da</strong> técnica.” A essência respon<strong>de</strong> pelo que ela é, mas<br />
<strong>de</strong> uma maneira que, ao ser respondi<strong>da</strong>, nos permite “fazer a experiência dos limites <strong>de</strong><br />
tudo que é técnico.” (HEIDEGGER, 2002:11). Portanto, a essência <strong>da</strong> técnica não está em<br />
suas <strong>de</strong>finições instrumentais como, por exemplo, um ‘meio para <strong>de</strong>terminado fim’ ou uma<br />
‘ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> humana’.<br />
Após essas consi<strong>de</strong>rações introdutórias, o pensamento hei<strong>de</strong>ggeriano se dirige à<br />
techné grega e à sua relação com as quatro causas aristotélicas 8 : formal, material, eficiente<br />
e <strong>final</strong>. Nessa acepção clássica, as quatro causas são modos integrados <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r por<br />
algo. Mas tal significado <strong>de</strong>saparece na noção mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong> reduzi<strong>da</strong> à<br />
responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> moral ou à responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> pela ação – ou seja, uma redução à causa<br />
eficiente.<br />
As quatro causas se constituíam em “quatro modos <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r (...) [que] levam<br />
alguma coisa a aparecer. Deixam que algo venha a viger [vigorar].” (HEIDEGGER,<br />
2002:15) Possibilitar o aparecimento ou <strong>de</strong>ixar viger é poiesis (produção). A poiesis<br />
portanto é o caminho do <strong>de</strong>sencobrimento, do <strong>de</strong>svelamento – aletheia – termo cujo<br />
significado original se per<strong>de</strong> em sua tradução romana veritas (ver<strong>da</strong><strong>de</strong>). Enquanto aletheia<br />
é uma possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>svela<strong>da</strong> (ver<strong>da</strong><strong>de</strong> como <strong>de</strong>sencobrimento), veritas é,<br />
contemporaneamente, uma <strong>de</strong>terminação do sujeito (ver<strong>da</strong><strong>de</strong> como “o correto <strong>de</strong> uma<br />
representação” (HEIDEGGER, 2002:16)).<br />
A argumentação <strong>de</strong> Hei<strong>de</strong>gger (2002) caminha, <strong>de</strong>ssa maneira, para o entendimento<br />
<strong>de</strong> que a técnica não é simplesmente um meio – mas, fun<strong>da</strong>mentalmente, um modo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>svelamento. Uma forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencobrimento que se apropria do que surge (os entes em<br />
geral, a natureza) ao modo <strong>da</strong> disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Nesse ponto cabe ressaltar que a techné grega, constituinte <strong>de</strong> um modo <strong>de</strong><br />
produção poiesis, não se restringia à ação utilitária. A techné grega incluía, igualmente, as<br />
artes e a literatura como formas <strong>de</strong> ‘possibilitar o aparecimento’, <strong>de</strong> ‘<strong>de</strong>ixar viger’. A<br />
técnica mo<strong>de</strong>rna, por seu turno, constitui um modo <strong>de</strong> produção gestell (composição, em<br />
8 Segundo o exemplo do cálice citado por Hei<strong>de</strong>gger (2002:13), as quatro causas são: “1) a causa materialis,<br />
o material, a matéria <strong>de</strong> que se faz um cálice <strong>de</strong> prata; 2) a causa formalis, a forma, a figura em que se<br />
inscreve o material; 3) a causa <strong>final</strong>is, o fim, por exemplo, o culto do sacrifício que <strong>de</strong>termina a forma e a<br />
matéria do cálice usado; 4) a causa efficiens, o ourives que produz o efeito, o cálice realizado, pronto.”<br />
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