Tese de Doutorado - versão final - Sistema de Bibliotecas da FGV ...
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profissionais <strong>de</strong>ssa empresa estão satisfeitos com a regra, pois ela lhes permite almoçar<br />
todos os dias e, além disso, almoçar sem interrupção pelo celular. Todos na organização,<br />
bem como clientes e fornecedores, estão cientes <strong>de</strong> que ninguém está disponível para<br />
ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s profissionais nesse horário. Esse exemplo é bastante eluci<strong>da</strong>tivo do quão<br />
paradoxais po<strong>de</strong>m ser as racionali<strong>da</strong><strong>de</strong>s vigentes no cotidiano organizacional. Cotidiano<br />
em que a simples possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> almoçar tranqüilamente todos os dias se torna um<br />
‘benefício’ valorizado.<br />
Outro choque <strong>de</strong> racionali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, agora no âmbito individual, foi verificado nas<br />
entrevistas: a racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> quanto aos fins e a racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> quanto aos valores <strong>de</strong> um<br />
mesmo indivíduo. Em to<strong>da</strong>s as entrevistas, sem exceção, a família aparece como o<br />
principal fator na escala <strong>de</strong> priori<strong>da</strong><strong>de</strong>s individuais. Todos afirmam a maior importância do<br />
seu papel familiar, como pai ou cônjuge, em relação ao papel profissional. E,<br />
freqüentemente, se queixam <strong>de</strong> não ter tempo para <strong>de</strong>sempenhar, a contento, esse papel<br />
prioritário. No entanto, poucos optariam por uma ocupação com menor remuneração e<br />
mais tempo livre, mesmo que isso não implicasse profundos impactos em seu padrão <strong>de</strong><br />
consumo. Dois entrevistados relatam, inclusive, que se tivessem jorna<strong>da</strong>s <strong>de</strong> trabalho<br />
menores terminariam por se envolver em outras ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s remunera<strong>da</strong>s.<br />
Uma tentativa <strong>de</strong> ‘solução’ <strong>de</strong>sse paradoxo individual seria supor que a priorização<br />
dos ganhos, no presente, estaria subordina<strong>da</strong> a uma priorização <strong>da</strong> família em termos <strong>de</strong><br />
bem-estar futuro. Contudo, não é isso o que manifestam os entrevistados. Seus relatos são<br />
conscientemente paradoxais. A<strong>de</strong>mais, uma suposta visão <strong>de</strong> longo prazo seria, em si,<br />
contraditória com o já <strong>de</strong>scrito imediatismo <strong>da</strong> contemporanei<strong>da</strong><strong>de</strong> – tema a ser revisitado<br />
ain<strong>da</strong> neste capítulo.<br />
O ápice do paradoxo <strong>de</strong>ssa racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> estaria no fato <strong>de</strong> o indivíduo<br />
contemporâneo utilizá-la não apenas para li<strong>da</strong>r com as questões cotidianas, relaciona<strong>da</strong>s ao<br />
seu trabalho e à sua vi<strong>da</strong> pessoal. Numa leitura hei<strong>de</strong>ggeriana, a própria racionali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
técnico-científico-econômica teria se tornado uma maneira <strong>de</strong>sse indivíduo enten<strong>de</strong>r-se a si<br />
mesmo. Uma maneira <strong>de</strong> se apropriar <strong>de</strong> sua humani<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>svelando-a <strong>de</strong> maneira<br />
essencialmente instrumental. Nessa perspectiva, o indivíduo não apenas se <strong>de</strong>svela como<br />
um reservatório <strong>de</strong> recursos, mas ele próprio constitui-se em recurso a ser racionalmente<br />
auto-administrado.<br />
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