Tese de Doutorado - versão final - Sistema de Bibliotecas da FGV ...
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‘laborholismo’; e, por fim, no próprio hedonismo po<strong>de</strong>ria se manifestar um contraditório<br />
caráter <strong>de</strong> disciplina, <strong>de</strong> ascetismo.<br />
Po<strong>de</strong>mos abrir nova frente <strong>de</strong> diálogo tematizando uma diferença fun<strong>da</strong>mental <strong>de</strong><br />
enfoque entre a Administração e a Psicologia. Enquanto a primeira investiga<br />
prioritariamente o sucesso e o que ‘funciona’, a segun<strong>da</strong> ten<strong>de</strong> a privilegiar o <strong>de</strong>sequilíbrio<br />
e o <strong>de</strong>sajuste. Po<strong>de</strong>-se, certamente, argumentar que a Administração também <strong>de</strong>screve<br />
disfuncionali<strong>da</strong><strong>de</strong>s organizacionais, em suas abor<strong>da</strong>gens críticas, e que a Psicologia<br />
também analisa o bem-estar, na contemporânea Psicologia Positiva. Mas essas abor<strong>da</strong>gens<br />
não são majoritárias em seus respectivos campos. Para o praticante <strong>da</strong> Administração, por<br />
exemplo, os casos <strong>de</strong> sucesso são mais úteis que os <strong>de</strong> fracasso por já trazerem, em si, um<br />
receituário <strong>de</strong> aplicação prática; um ‘como fazer’ para uso imediato. Com isso, as obras <strong>de</strong><br />
caráter crítico quase sempre se restringem ao mundo acadêmico e às publicações<br />
científicas. No outro campo, fortemente influenciado pela Psicanálise, a Psicologia<br />
Positiva constitui um discurso dissonante; provavelmente encarado como mais uma<br />
abor<strong>da</strong>gem reducionista norte-americana e, portanto, ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> à complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />
psiquismo humano. A discussão dos possíveis juízos às abor<strong>da</strong>gens não-dominantes <strong>de</strong><br />
ambos os campos não é objeto do presente estudo. O que interessa é o paradoxo do foco no<br />
sucesso organizacional e no fracasso individual. Não por acaso, a Psicologia Positiva vem<br />
sendo acolhi<strong>da</strong> no mundo <strong>da</strong>s organizações por contribuir, por exemplo, na estruturação <strong>de</strong><br />
técnicas <strong>de</strong> coaching. Ou seja, a psicologia do sucesso parece interessar mais à<br />
Administração do que à própria Psicologia. Que leituras po<strong>de</strong>riam ser feitas <strong>de</strong>ssa distinção<br />
inusita<strong>da</strong> entre os dois campos científicos?<br />
Como <strong>de</strong>scrito em capítulos anteriores, a mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> instaura um processo <strong>de</strong><br />
gra<strong>da</strong>tiva individualização, <strong>de</strong> emancipação do jugo <strong>da</strong>s tradições e <strong>de</strong> esgarçamento do<br />
tecido social. A mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> produz um indivíduo supostamente livre, mas sobrecarregado<br />
pelo ônus e pelo risco <strong>da</strong>s escolhas. Esse processo emancipatório resulta em uma<br />
significativa transferência <strong>de</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s coletivas para o indivíduo, até o ponto em<br />
que essa responsabilização se torna elemento constitutivo <strong>da</strong> própria subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
contemporânea. O fracasso individual – como <strong>de</strong>semprego ou <strong>de</strong>sajustes psíquicos – é<br />
‘naturalmente’ assimilado como resultante <strong>da</strong>s escolhas e <strong>da</strong>s limitações do próprio<br />
indivíduo. As conjunturas supra-individuais, como o sistema socioeconômico ou as<br />
técnicas <strong>de</strong> gestão, po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s fatores predisponentes, mas não fun<strong>da</strong>mentais.<br />
15 Ver, no capítulo 3, os fun<strong>da</strong>mentos <strong>de</strong>ssa caracterização.<br />
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