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Tese de Doutorado - versão final - Sistema de Bibliotecas da FGV ...

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discurso, seu resultado mais provável é a motivação fugaz sucedi<strong>da</strong> por um sentimento <strong>de</strong><br />

frustração e <strong>de</strong>mérito pessoal, característicos <strong>da</strong> ‘possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> sarcófago’. Mas on<strong>de</strong><br />

estaria o problema, visto que esse discurso <strong>de</strong> alinhamento soa tão consistente? Não seria a<br />

frustração exatamente o reconhecimento <strong>de</strong> que não se está vivendo a vi<strong>da</strong> que se <strong>de</strong>veria?<br />

Enten<strong>de</strong>r essa questão requer sua análise em nível lógico superior. Requer uma<br />

reflexivi<strong>da</strong><strong>de</strong> essencial complexa que permita problematizar não apenas o discurso, como<br />

também o contexto sócio-histórico que o produz. Para iniciar essa análise, recorreremos a<br />

uma limitação existencial nem sempre consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> nas exigências humanas: a<br />

impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> trilhar todos os caminhos, <strong>de</strong> optar por to<strong>da</strong>s as alternativas 14 . Esse<br />

princípio, <strong>de</strong> aspecto quase trivial, nem sempre é levado em consi<strong>de</strong>ração nas experiências<br />

do cotidiano. O indivíduo contemporâneo ten<strong>de</strong> a viver como se não houvesse opções<br />

mutuamente exclu<strong>de</strong>ntes; como se fosse sempre possível escolha sem renúncia. E por<br />

acreditar nessa impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> existencial, acha que ‘<strong>de</strong>ve’ ser capaz <strong>de</strong> tal prodígio e se<br />

sente ‘em falta’ quando não o alcança. O resultado <strong>de</strong>ssa ilusão costuma ser a angústia e a<br />

culpa (BOSS, 1988). É razoável supor que esse fenômeno tenha sua manifestação<br />

agrava<strong>da</strong>, na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, pela multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escolhas disponíveis. No entanto, cabe<br />

ressaltar que o indivíduo angustiado não está, necessariamente, vivendo <strong>de</strong> modo<br />

inautêntico. Po<strong>de</strong> estar fazendo escolhas autênticas e se angustiar pelo fato <strong>de</strong>,<br />

impessoalmente (‘como todo mundo’), não reconhecer seus limites individuais.<br />

Os limites individuais, contudo, não se encontram apenas na cita<strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

existencial. Além <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>r escolher tudo, nem sempre to<strong>da</strong>s as opções estão<br />

efetivamente disponíveis para to<strong>da</strong>s as pessoas. Ou seja, mesmo reconhecendo que, ao<br />

escolher um caminho, muitos outros serão <strong>de</strong>scartados, o indivíduo não tem a certeza <strong>de</strong><br />

que o caminho escolhido está realmente disponível para ele. Po<strong>de</strong> supor, impessoalmente,<br />

essa disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e, mais à frente, percebê-la irrealizável. O entendimento <strong>de</strong>ssa<br />

segun<strong>da</strong> categoria <strong>de</strong> impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s po<strong>de</strong> ser ampliado pelas noções <strong>de</strong> ‘possível’ e <strong>de</strong><br />

‘necessário’ em Kierkegaard: “O possível lembra a criança que recebe um convite que lhe<br />

agra<strong>da</strong> e prontamente aquiesce. Não sabe se seus pais <strong>da</strong>rão consentimento. E os pais<br />

<strong>de</strong>sempenham a função <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>.” (KIERKEGAARD, 2002: 39) As exortações que,<br />

inadverti<strong>da</strong>mente, promovem o <strong>de</strong>ver <strong>da</strong> felici<strong>da</strong><strong>de</strong> no trabalho, falham exatamente por não<br />

distinguir possíveis e necessários. Nessa perspectiva filosófica, encontrar e realizar o<br />

14 Essa limitação existencial tem seus fun<strong>da</strong>mentos na noção hei<strong>de</strong>ggeriana <strong>de</strong> ‘débito’ (HEIDEGGER,<br />

2005).<br />

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