Tese de Doutorado - versão final - Sistema de Bibliotecas da FGV ...
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O que caracteriza essa ausência <strong>de</strong> pensamentos não é uma paralisia cognitiva, mas<br />
a restrição do pensamento ao modo calculante. Esse cálculo não se refere apenas às<br />
operações efetivamente numéricas, mas ao caráter planificador e tecnicizante do<br />
pensamento contemporâneo. Hei<strong>de</strong>gger apresenta, então, o que <strong>de</strong>nomina pensamento<br />
meditante:<br />
O pensamento que medita exige <strong>de</strong> nós que não fiquemos unilateralmente<br />
presos a uma representação, que não continuemos a correr em um sentido único na<br />
direção <strong>de</strong> uma representação. O pensamento que medita exige que nos ocupemos<br />
<strong>da</strong>quilo que, à primeira vista, parece inconciliável.” (HEIDEGGER, 1959: 23)<br />
O pensamento calculante é o <strong>da</strong> representação. É o que busca a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> veritas, as<br />
certezas <strong>da</strong>s ciências e a eficácia eficiente <strong>da</strong>s técnicas. O pensamento meditante é o <strong>da</strong><br />
reflexão. É o que não se limita ao pensável e não se paralisa nas contradições. O<br />
pensamento meditante não é substitutivo ao calculante, mas uma alternativa <strong>de</strong><br />
convivência. A<strong>de</strong>mais, não se cogita um retorno ao mundo grego <strong>da</strong> poiesis e uma renúncia<br />
coletiva aos confortos <strong>da</strong> civilização tecnológica. O que Hei<strong>de</strong>gger (1959) propõe é bem<br />
menos radical e muito mais factível: a atitu<strong>de</strong> do ‘sim e não’ frente ao mundo <strong>da</strong> técnica.<br />
Uma vez mais, suas consi<strong>de</strong>rações parecem dirigi<strong>da</strong>s à atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>:<br />
“Po<strong>de</strong>mos dizer ‘sim’ à utilização inevitável dos objetos técnicos e po<strong>de</strong>mos ao<br />
mesmo tempo dizer ‘não’, impedindo que nos absorvam e, <strong>de</strong>sse modo, verguem,<br />
confun<strong>da</strong>m e, por fim, esgotem a nossa essência” (HEIDEGGER, 1959: 24)<br />
O que está em jogo não é simplesmente a escravização ao consumo – algo que, por<br />
si só, já seria passível <strong>de</strong> problematização. A questão fun<strong>da</strong>mental é que tais objetos<br />
técnicos são elementos <strong>de</strong> um horizonte <strong>de</strong> <strong>de</strong>svelamento que nos tomam, muito mais que<br />
tempo e recursos materiais, nossa própria essência humana. O pensamento calculante é o<br />
do fechamento na relação com o mundo dos objetos, com o semelhante e consigo mesmo a<br />
um modo que po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>nominar econômico-planejador-consumidor-tecnicizante. O<br />
pensamento meditante, em contraparti<strong>da</strong>, aceita os confortos <strong>da</strong> tecnologia sem se limitar<br />
àquelas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ser. Sem, por exemplo, restringir seu po<strong>de</strong>r-ser ao homo<br />
economicus. Sem reduzir suas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> conhecimento à veritas <strong>da</strong>s ciências, mas<br />
exercendo suas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>svelamento na aletheia do existir.<br />
Como se po<strong>de</strong> ver ao longo dos capítulos propositivos <strong>da</strong> tese, a abor<strong>da</strong>gem<br />
hei<strong>de</strong>ggeriana apresenta inúmeras possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> compreensão para o fenômeno do<br />
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