Tese de Doutorado - versão final - Sistema de Bibliotecas da FGV ...
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Para o sociólogo Richard Sennett (2004), a hegemonia do presente seria o resultado<br />
<strong>de</strong> um encurtamento <strong>de</strong> perspectivas face aos dilemas e às incertezas do cotidiano. O foco<br />
estaria no imediato em lugar do longo prazo por ser o presente repleto <strong>de</strong> <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s e o<br />
futuro, <strong>de</strong>masia<strong>da</strong>mente imprevisível. A aparente suspensão do tempo <strong>da</strong>í <strong>de</strong>corrente teria<br />
o efeito <strong>de</strong> tornar esse presente ao mesmo tempo hegemônico e aprisionante.<br />
Um elemento a <strong>de</strong>stacar no relato do entrevistado é que o caráter <strong>de</strong>safiador do<br />
presente não tem que ser, necessariamente, experimentado como sofrimento – ain<strong>da</strong> que,<br />
para muitos indivíduos, agen<strong>da</strong> lota<strong>da</strong> e problemas a resolver sejam motivos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
insatisfação. Contudo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>da</strong> maneira como é experimentado, esse<br />
presente intenso é, ao mesmo tempo, esvaziado. A sensação <strong>de</strong> ‘na<strong>da</strong> ter feito’ é uma forte<br />
evidência <strong>de</strong>sse esvaziamento. E se torna ain<strong>da</strong> mais emblemática nesse relato em que a<br />
experiência ocupacional, como um todo, é consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> prazerosa pelo entrevistado.<br />
Quais seriam as características <strong>de</strong>sse esvaziamento? O que está sendo retirado <strong>da</strong><br />
experiência cotidiana para motivar tal percepção?<br />
A compreensão <strong>de</strong>sse esvaziamento <strong>de</strong>man<strong>da</strong>, naturalmente, a análise <strong>da</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
do tempo presente ao qual o fenômeno se refere. Ressaltamos que essa análise não se<br />
restringe ao caso relatado, mas busca os fun<strong>da</strong>mentos <strong>de</strong>sse fenômeno paradoxal<br />
vivenciado nas organizações.<br />
Conforme visto anteriormente, a experiência individual e coletiva do tempo é sócio-<br />
historicamente <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>. Não apenas nas ênfases com que passado, futuro e presente se<br />
suce<strong>de</strong>m, mas na própria experiência subjetiva <strong>da</strong> temporali<strong>da</strong><strong>de</strong>. O tempo em geral e,<br />
ain<strong>da</strong> mais fortemente, o tempo corporativo, apresentam um marcante caráter instrumental.<br />
Em lugar <strong>de</strong> um tempo cíclico, natural, singular, temos um tempo linear, reificado,<br />
padronizado. O antigo axioma “tempo é dinheiro” (RIFKIN, 2005) tem sua lógica<br />
atualiza<strong>da</strong> no que po<strong>de</strong>ria se caracterizar como ‘financeirização’ temporal. Investe-se<br />
tempo, gasta-se tempo, economiza-se tempo (CIULLA, 2000). E este se torna um ‘recurso’<br />
<strong>de</strong> tal modo escasso que as queixas <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> tempo são mais freqüentes que as <strong>de</strong> falta <strong>de</strong><br />
dinheiro (LIPOVETSKY, 2004b).<br />
A utilização <strong>de</strong>sse tempo reificado é marca<strong>da</strong> pelo caráter multitarefa. São<br />
freqüentes, por exemplo, reclamações sobre a impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>dicar integralmente<br />
a uma única ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> a ca<strong>da</strong> vez – por mais relevante que ela seja. Há sempre uma<br />
multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s, pré-agen<strong>da</strong><strong>da</strong>s ou não, a reclamar uma parcela <strong>de</strong>sse<br />
‘recurso’. Uma coach entrevista<strong>da</strong> relata uma sensação generaliza<strong>da</strong>, entre seus clientes, <strong>de</strong><br />
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