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Tese de Doutorado - versão final - Sistema de Bibliotecas da FGV ...

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tal operação, historicamente recente, é <strong>de</strong> tal modo instala<strong>da</strong> na lógica contemporânea que<br />

parece natural, e não histórica. O <strong>de</strong>sejo do bem-estar é, provavelmente, tão antigo quanto<br />

a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> humana <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejar. Mas não a soberania <strong>da</strong> felici<strong>da</strong><strong>de</strong> verifica<strong>da</strong> atualmente.<br />

Ain<strong>da</strong> que o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> felici<strong>da</strong><strong>de</strong> tenha freqüentado as reflexões <strong>de</strong> filósofos como<br />

Aristóteles e Sêneca, esse não se revestia do caráter imperativo atual e nem do que o<br />

filósofo contemporâneo Pascal Bruckner <strong>de</strong>nomina “euforia perpétua”. Em lugar <strong>de</strong> uma<br />

felici<strong>da</strong><strong>de</strong> que comporta alegrias e tristezas, prazeres e dissabores, como concebi<strong>da</strong> na<br />

Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong>, o que se ‘exige’ é uma vertigem interminável <strong>de</strong> sensações prazerosas. O<br />

problema é que “quanto mais (...) se impõe como <strong>final</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong> universal, mais a felici<strong>da</strong><strong>de</strong> se<br />

esvazia <strong>de</strong> todo conteúdo.” (BRUCKNER, 2002: 123). Pautar a vi<strong>da</strong> na busca <strong>da</strong> felici<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

se torna um tormento por sua impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> quando coloca<strong>da</strong> nesses termos. No entanto,<br />

o fato <strong>de</strong> escapar aos que a buscam não significa que evitá-la seja melhor estratégia.<br />

Significa, apenas, que é um fenômeno incompatível com a lógica contemporânea <strong>de</strong><br />

felici<strong>da</strong><strong>de</strong> como objetivo alcançável e administrável mediante técnicas individuais <strong>de</strong> bem-<br />

estar.<br />

A ironia <strong>de</strong>sse hedonismo imperativo é o fato <strong>de</strong> estabelecer padrões tão elevados<br />

<strong>de</strong> prazer que termina por inviabilizar o reconhecimento <strong>de</strong> um bem-estar por vezes já<br />

disponível. Experimenta-se como que uma vi<strong>da</strong> em rascunho à espera do êxtase, <strong>da</strong><br />

perfeição. Uma vi<strong>da</strong> cujas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s se apresentam em tal nível <strong>de</strong> excelência que<br />

reduzem as realizações cotidianas à irrelevância. Em lugar <strong>da</strong> “possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> crisáli<strong>da</strong>”, que<br />

mobiliza pelos horizontes que aponta, a contemporanei<strong>da</strong><strong>de</strong> estaria sob o império <strong>da</strong><br />

“possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> sarcófago”, que paralisa e angustia (BRUCKNER, 2002: 121).<br />

To<strong>da</strong>s as consi<strong>de</strong>rações sobre esse imperativo <strong>da</strong> felici<strong>da</strong><strong>de</strong> se trasla<strong>da</strong>m,<br />

naturalmente, para o contexto <strong>de</strong> trabalho; até mesmo por sua centrali<strong>da</strong><strong>de</strong> na vi<strong>da</strong> humana.<br />

Indícios <strong>de</strong> tal imperativo são facilmente verificáveis em exortações do discurso<br />

corporativo, seja em palestras motivacionais, seja em best-sellers <strong>de</strong> auto-aju<strong>da</strong>. As<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s existenciais são enumera<strong>da</strong>s e prega-se a busca <strong>da</strong> auto-realização pelo<br />

alinhamento entre vocação e ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> profissional. Enquanto ‘possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s crisáli<strong>da</strong>’,<br />

tais exortações po<strong>de</strong>riam ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s oportunos convites a escolhas responsáveis. O<br />

problema é que, mais uma vez, o ‘você po<strong>de</strong> tudo’ termina virando um ‘você <strong>de</strong>ve tudo’. O<br />

recurso a analogias <strong>de</strong> impacto <strong>de</strong>snu<strong>da</strong> o caráter imperativo <strong>de</strong>sse discurso: compara-se,<br />

alegoricamente, o <strong>de</strong>salinhamento com a vocação a ‘<strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> potencial’, ‘auto-<br />

traição’ e, até mesmo, ‘prostituição’. Em que pese a boa intenção dos divulgadores <strong>de</strong> tal<br />

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