HIPERLEITURA
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Hiperleitura e escrileitura<br />
forma, quando o narrador descreve um apagueiro – objeto inexistente no<br />
mundo real –, é intenção dele que cheguemos a um determinado significado<br />
que nos ajude a formalizar seu conceito; as lacunas nessa descrição permitem<br />
que o façamos ao nosso modo, mas sem fugir do funcionamento que esse<br />
objeto tem na narrativa. No entanto, porque não existe um correlato para<br />
a representação do leitor, a sua participação será mais intensa.<br />
A indeterminação é inerente a todo discurso, mas, na ficção, ela é a<br />
possibilidade de o leitor desejar a história, já que não haveria outro motivo<br />
que não esse para ela ser contada: o desejo de ouvi-la – que não a informação.<br />
O leitor precisa enxergar-se naquele universo ficcional, e isso é<br />
possível através das lacunas, os lugares onde o leitor penetra na história,<br />
para torná-la sua, para vivenciá-la. O campo pragmático, pois, é o lugar do<br />
leitor invisível. Aí, a recusa ou dificuldade do leitor em preencher as lacunas<br />
torna inviável a existência da história como um todo. Durante a leitura,<br />
enquanto são preenchidos os vazios sintáticos e semânticos, configura-se<br />
uma narrativa, esquematizada pelo repertório do texto e do leitor; o efeito<br />
estético, no entanto, só alcança sua existência pelo preenchimento das<br />
lacunas pragmáticas.<br />
A indeterminação no campo pragmático gera interrogações pontuais<br />
no leitor, estabelecendo a continuidade da história – perguntas que deslocam<br />
o eixo de horizonte de sentido do leitor, levando-o a respostas e à sua<br />
permanência no texto, ou provocando seu abandono. Dessa forma, o lugar<br />
do leitor no texto torna-se perceptível, pois a própria história, para existir,<br />
exige a entrada do leitor. São as lacunas pragmáticas que induzem o leitor<br />
a pensar que está no controle do processo de significação, pois elas exigem<br />
dele procedimentos de relação e cotejo entre as perspectivas do texto e<br />
entre essas e as possibilidades para a montagem conexa do objeto estético.<br />
Se, durante a leitura, o leitor não percebe que continuamente preenche<br />
os vazios do texto, configurando a narrativa, o preenchimento das lacunas<br />
pragmáticas torna-se um processo consciente, por isso estabelecendo o<br />
lugar do leitor no texto. O preenchimento das lacunas semânticas pode<br />
erigir-se de forma automática – o imaginário é acionado como uma espécie