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HIPERLEITURA

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Hiperleitura e escrileitura<br />

com que faz essa narração – descrevendo a princesa como bela e a bruxa<br />

como horrível, por exemplo.<br />

Nas narrativas de J. K. Rowling, não há o maniqueísmo dos contos de<br />

fadas, em que os maus são sempre castigados. Embora seja evidente que<br />

o leitor identifica-se com o herói, 56 torcendo por ele contra o vilão, não é<br />

apenas essa dualidade o motivo da narrativa. Há uma infinidade de personagens<br />

extremamente humanas e, portanto, suscetíveis a erros e falhas de<br />

caráter – ninguém é completamente bom ou mau, nem mesmo Harry, o<br />

herói. A credibilidade do protagonista, no entanto, nunca é abalada diante<br />

do leitor, que, postando-se ao seu lado, vai configurando todos os meandros<br />

que compõem a narrativa a partir apenas da perspectiva do herói, como se<br />

esta fosse uma das opções – e a opção correta –, e não a única possibilidade<br />

de leitura que nos apresenta o narrador.<br />

A perspectiva do narrador, portanto, é extremamente lacunar, permitindo<br />

ao leitor uma série de inferências sobre o contexto e a relação entre<br />

os acontecimentos, as opiniões e os sentimentos das personagens, mesmo<br />

depois que a história foi toda contada. É possível regressar a acontecimentos<br />

passados e explicar a atitude de personagens, seus pensamentos<br />

e sensações, mesmo sobre fatos que já foram levados a termo. Esse não<br />

dizer do narrador – sua aparente ineficácia em fazer relações – recebe<br />

uma conotação que vai além do vazio; a indeterminação, ali, torna-se um<br />

chamado ao leitor. A própria posição do narrador é uma lacuna e invoca a<br />

que o leitor tome para si a tarefa de estabelecer conexões.<br />

Em Harry Potter, fica evidente que o narrador deixa abertas as inferências<br />

quando não esclarece os diálogos misteriosos entre as personagens,<br />

principais responsáveis por manter o leitor informado. Dessa forma, na<br />

dúvida se deve ou não confiar no narrador – uma presença tão sutil que<br />

não damos por conta de sua voz – e na expectativa dos segredos que po-<br />

56<br />

Essa identificação ocorre em vários níveis: para o leitor infantil, pela idade e fase vivida na escola,<br />

ou ainda porque Harry vence os obstáculos e possui poderes que lhe permitem subjugar o mundo<br />

adulto – coisa que qualquer criança gostaria; para o leitor adulto, além da identificação através da<br />

memória da infância, o processo também ocorre em relação às injustiças que ele vivencia e que é<br />

capaz de corrigir.

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