HIPERLEITURA
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Hiperleitura e escrileitura<br />
e este se tornasse o informante que o conduz na continuidade da história.<br />
O narrador torna-se, assim, um par de olhos, enquanto o leitor é a mente,<br />
a quem cabe processar os esquemas do texto que só ele pode ler. O leitor<br />
sente-se tomado de um poder que ultrapassa o de qualquer personagem,<br />
pois só ele tem acesso aos esquemas da história que o tornam capaz de<br />
montar o todo. Da forma como o narrador conta a história, nem mesmo<br />
Dumbledore sabe o que Harry pensa. O leitor, enxergando pelos olhos de<br />
Harry, sente que ele, sim, observa as engrenagens do herói funcionando.<br />
A história terminada, o leitor já sabe que, como indicado pelo narrador<br />
no início da série, ele podia ter mesmo confiado em Dumbledore e, portanto,<br />
também em Severo Snape, como o próprio Diretor de Hogwarts pedia a<br />
Harry. No entanto, o narrador induzia-nos a ficar contra Snape, posicionando-nos<br />
ao lado de Harry e suas suspeitas. Desde o primeiro capítulo, o<br />
leitor é confrontado pela dubiedade da posição de Dumbledore em relação<br />
a Snape: confiar em Dumbledore parece significar o descrédito de Snape,<br />
mas o Diretor de Hogwarts instiga a confiança de Harry no mestre de<br />
Poções. E o leitor precisa acreditar no herói.<br />
O narrador reveste-se de imparcialidade, como se ele desconhecesse<br />
o desfecho e não exercesse qualquer reflexão sobre os acontecimentos<br />
narrados, mas os aspectos da história que ele seleciona para sua narrativa<br />
é uma forma de jogo, que conduz a determinado caminho de leitura. Dessa<br />
forma, o narrador induz o leitor a pensar que o controle é seu, e não dele, do<br />
desatento contador da história. O leitor considera a si mesmo como parte<br />
integrante do mistério, já que só ele é capaz de cotejar as informações que<br />
recebe e tecer admiráveis conclusões. O narrador, assim, leva ao leitor a<br />
sensação de que ele é capaz de captar o não dito nas entrelinhas e controlar<br />
os significados do texto, promovendo uma maior participação.<br />
O mistério fascina; como dizia Barthes, é a intermitência que seduz LIII .<br />
No entanto, aqui, não se trata do interstício da linguagem, “onde o vestuário<br />
se entreabre” LIV , mas de uma capa intencionalmente vestida e esvoaçante,<br />
um controle erigido pelo narrador através do fio da narrativa, com que ele<br />
brinca de desenrolar e suspender. O narrador é o caçador atrás da árvore,