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HIPERLEITURA

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160<br />

Hiperleitura e escrileitura<br />

Rembrandt? 58 ) ou uma leitora possível (imaginada pelo pintor)? Ela pousa<br />

para a pintura, como muitos outros personagens-leitores dos quadros de<br />

Doe? Ela realmente sabe ler as palavras? Talvez não e, por isso, a fixação<br />

sobre a imagem. 59<br />

Podemos apenas tecer hipóteses, mas não confirmá-las. Em O grande<br />

massacre de gatos LV , Robert Darnton nos dá a conhecer um dossiê montado<br />

através dos arquivos da STN - Société Typographique de Neuchâtel 60 , em<br />

que relata as cartas trocadas entre um cidadão francês e seu antigo mestre<br />

e amigo, dono da editora em questão. Durante onze anos, Jean Ranson, um<br />

burguês comum LVI , pediu à STN que lhe enviasse 59 títulos, através de 47<br />

cartas que ele postou ao editor da gráfica, Ostervald. Em sua correspondência,<br />

Ranson relata suas preferências no universo literário – com destaque<br />

para as obras de Rousseau –, em meio a questões pessoais e familiares, e,<br />

conclui Darnton, “fornece uma rara visão de um leitor discutindo sua leitura”<br />

LVII . No Brasil, Márcia Abreu LVIII realizou um extenso trabalho de análise<br />

do panorama de leitura da sociedade brasileira dos séculos XVIII e XIX,<br />

observando as remessas de livros de Portugal para o Brasil. Verificando os<br />

registros de pedidos de obras, ela chegou àquilo que parte dos brasileiros –<br />

determinada camada social, que podia, enfim, pagar pelas remessas, e ainda<br />

livreiros que compravam para vender – tinha à disposição para ler. Uma<br />

de suas conclusões evidencia já a formação de um cânone erudito e outro<br />

58<br />

(1606-1669). Pintor conterrâneo de Gerrit Dou. Rembrandt van Rijn pintou muitos quadros<br />

em que sua mãe serviu de modelo como leitora (Disponível em: www.flickr.com/photos/gatochy/3355963474/),<br />

inclusive uma que representa Santa Ana lendo a Bíblia. Mais em: http://www.<br />

rijksmuseum.nl/aria/aria_assets/SK-A-3066?lang=en. Acesso em out. 2014.<br />

59<br />

Também podemos nos perguntar o quão diferente é a leitura que aquela personagem faz em<br />

relação à leitura que nós procedemos das imagens, hoje tão frequentes: “Quando falamos dessa<br />

moderna ‘cultura de imagens’, esquecemos que essa cultura já estava presente nos tempos dos<br />

nossos antepassados pré-históricos, só que as imagens das cavernas, das igrejas medievais ou das<br />

paredes dos templos astecas tinham significados profundos e complexos, ao passo que as nossas<br />

são deliberadamente banais e superficiais. Não é casual que as agências de publicidade controlem<br />

o mercado contemporâneo de arte, no qual a banalidade e a superficialidade voluntárias foram<br />

transformadas em qualidades que justificam o valor monetário de uma obra” (MANGUEL, Alberto.<br />

À mesa com o chapeleiro maluco: ensaios sobre corvos e escrivaninhas. São Paulo: Companhia das<br />

Letras, 2009, p. 26).<br />

60<br />

Tipografia e distribuidora de livros francesa fundada em 1769 por Frédéric-Samuel Ostervald.<br />

Até o ano de seu fechamento, a STN arquivou 50.000 papéis, de cartas a documentos comerciais,<br />

que hoje compõem um rico material de pesquisa para historiadores da leitura, como Darnton.

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