HIPERLEITURA
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Ana Cláudia Munari Domingos 223<br />
ideológicas (declaradas) com outros textos. Enquanto linguagem e enunciação,<br />
nenhum discurso é isento de ideologia 30 , mas Perrone-Moisés parece<br />
denotar o viés do “acobertamento da realidade” XVII , e daí a linguagem como<br />
forma simbólica de tornar visíveis as estruturas da dominação social. Se,<br />
na crítica-escritura, o sujeito-produtor se coloca em evidência, arrasta<br />
consigo todas as suas escolhas e postulações e, portanto, suas disposições<br />
ideológicas. Ao supor uma relação não imaginária nem ideológica entre o<br />
texto crítico e outros textos, Perrone-Moisés nos leva a pensar, talvez, em<br />
um rompimento com um quadro de valores prévios e exteriores ao texto.<br />
Esse texto híbrido, crítica-escritura, mostraria o valor do texto que põe em<br />
análise com a própria escritura (ou reescritura desse texto), e não através<br />
de juízos e explicações aquém do universo textual. O imaginário a que se<br />
refere Perrone-Moisés não é o mesmo proposto por Iser, necessário ao<br />
leitor na configuração do fictício, mas, sim, uma cadeia de valores a que<br />
esse leitor relaciona o texto durante a leitura. Enquanto transitiva a determinado<br />
texto – sempre uma voz ideológica – a escrileitura certamente<br />
põe em evidência seus ideais e valores – ratificando-os ou os negando – e,<br />
mais ainda, pode tornar-se o desvelamento do próprio simbolismo do texto,<br />
como o faz a Crítica.<br />
Sobre essa questão, podemos afirmar que o texto da fanfiction está<br />
longe do discurso crítico tradicional – que se propõe a explicar e julgar 31 o<br />
texto. Eis aí a grande dificuldade de relacioná-la, criação original que é, ao<br />
discurso crítico. A fanfiction – esse objeto híbrido, paradoxal e inclassificável<br />
– reúne elementos desse discurso enquanto expressa a interpretação,<br />
a concretização do leitor sobre outro texto. Torna-se visível, através da<br />
escritura desse leitor, sua análise e sua conformação do texto que procura<br />
reescrever. O texto da fanfiction não traz apenas o tema, suas variações,<br />
personagens e ações de Harry Potter, por vezes sua linguagem, mas também<br />
30<br />
O conceito de “ideologia”, aqui, remete ao de Bakthin, para quem “todo signo é ideológico”.<br />
(AGUIAR, Vera. O verbal e o não verbal. São Paulo: UNESP, 2004, p. 79.)<br />
31<br />
Essa palavra é um tanto perigosa, sobretudo para Harry Potter. Aqui, quero dar-lhe um sentido<br />
de classificar, expressar valores.