HIPERLEITURA
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Ana Cláudia Munari Domingos 119<br />
Durante os primeiros capítulos do primeiro volume, o herói não podia<br />
ajudar o leitor no preenchimento de lacunas, que então precisa formatar à<br />
sua maneira muitos esquemas trazidos pelo texto, com a pequena ajuda do<br />
narrador: construir um castelo, compor a imagem de mais de setenta personagens,<br />
tecer os fios do enredo, relacionar nomes, dados, datas e fatos. Os<br />
vazios, pródigos em ativar a imaginação entre os aspectos esquematizados<br />
do texto, também provocaram um nível de indeterminação cujo efeito – o<br />
suspense – é um importante estímulo à curiosidade do receptor. Harry,<br />
nesse processo, é apenas um par de olhos e ouvidos usados pelo narrador<br />
e, à medida que o protagonista vê e aprende sobre o novo mundo diante<br />
de seus olhos, o leitor compõe-no em seu imaginário. Logo Harry toma<br />
para si a tarefa de fazer perguntas, o que não impede o leitor de continuar<br />
fazendo as suas, porque o herói esteve preocupado em provar para si que<br />
é realmente quem pensavam que ele fosse – e as suas dúvidas sempre o<br />
levaram a esclarecer somente aquilo que poderia ajudá-lo nessa tarefa.<br />
Colocando-se como um narrador ou inventando outro, o fanficcer tem<br />
à disposição, assim, todo um esquema altamente indeterminado, apesar<br />
da história completa. A sua resposta, através da escrita de fanfics, inclui o<br />
modo como ele estabelece mesmo a posição do narrador frente à narrativa.<br />
O fanficcer pode corroborar aquela postura do narrador de Harry Potter,<br />
preenchendo as lacunas do texto apenas como se o narrador obtivesse outro<br />
ângulo de visão, acompanhando Harry ou não. Pode instituir a si mesmo<br />
poderes que o texto autorizou e dar voz às suas inferências e ao cotejo que<br />
ele próprio realizou entre os aspectos do texto. Pode ainda, satisfazer as<br />
lacunas temporais e preencher com novos enredos, outros personagens,<br />
outras tramas, e ainda outras tantas lacunas, numa cadeia infinita de leitores<br />
invisíveis percorrendo o texto.<br />
(Endnotes)<br />
I TOFFLER, Alvim. A terceira onda. Rio de Janeiro: Record, 1980.<br />
II JENKINS, Henry. Coletivo de prosumidores. HSM Management, São Paulo, v.12,<br />
n. 66, jan-fev, p.108-112, 2008, p.111.