HIPERLEITURA
WG5b2B
WG5b2B
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Ana Cláudia Munari Domingos 161<br />
popular, marcado, de um lado, pela extensa encomenda de livros técnicos<br />
sobre retórica, poética, dicionários, gramáticas e instruções de como “ler<br />
bem” e ainda obras clássicas e, de outro, pela preferência literária pelos<br />
romances, então rechaçados pela Crítica. Embora a primazia do romance<br />
entre os leitores brasileiros do século XVIII e XIX possa ser configurada como<br />
evidência de uma prática de leitura, nada pôde ser dito sobre os modos de<br />
ler e, principalmente, sobre as concretizações individuais dessas obras tão<br />
lidas e, certamente, comentadas por aquela sociedade.<br />
Já Darnton alcançou a leitura pessoal de Jean Ranson, também um<br />
leitor do século XVIII, que materializou sua concretização, registrando-a<br />
na correspondência com a STN. Evidencia-se na escrita de Ranson –, que<br />
o historiador avalia não especificamente sob este aspecto –, um intenso<br />
desejo de responder a suas leituras, o que ele acaba por fazer através das<br />
cartas. Darnton lê nas palavras do leitor francês uma grande admiração<br />
por Rousseau, a quem ele constantemente se refere em seus escritos à<br />
STN. Embora seja possível compreender esse sentimento tão comum que<br />
leitores costumam nutrir pelos autores de suas obras preferidas, não é<br />
propriamente a figura de Rousseau a causa dessa vontade de Ranson de<br />
conversar sobre Les confessions ou L’Emile – ele sequer o conhece pessoalmente<br />
–, mas as palavras de Rousseau.<br />
Darnton busca compreender a motivação para essa admiração (a)<br />
através da análise daquilo que Rousseau narra sobre si mesmo como leitor,<br />
(b) na comparação entre o autor e as personagens de seus romances, (c)<br />
na forma do texto e (d) no diálogo que Rousseau constrói com o leitor fora<br />
da diegese do texto; resumindo: o historiador investe em várias direções –<br />
autor, conteúdo, gênero e leitor ideal 61 . Por outro lado, sempre parafraseia<br />
o próprio Ranson naquilo que ele fala sobre l’ami Jean-Jaques, como se o<br />
61<br />
Aqui, essa expressão não é um conceito teórico, tal como o de Prince, já explicitado aqui, ou de<br />
Umberto Eco, o “leitor modelo” – embora o significado claramente próximo –, mas um sentido,<br />
como o próprio Darnton deseja dar, de um leitor que leu o texto assim como Rousseau desejava que<br />
o lessem, que captasse as referências (no caso, mesmo a ideologia) dadas pelo autor também fora<br />
do texto (e não apenas implicitamente), em ensaios, discursos, e fora da diegese, nos paratextos.<br />
Esse leitor ideal, simplificando, seria aquele que concordaria com o “modo de vida” defendido por<br />
Rousseau, que ele expunha em sua ficção.