Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira
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tra: para não viver a vida de rotineira mediocridade que Gamelão descreve no seu delírio, por<br />
não levar o prêmio da Loteria. A personagem de Rodízio ainda tinha esperança de que o jogo na<br />
bolsa de valores poderia redimi-la da vida massacrante do homem comum. Gamelão tem 38<br />
anos e expressa a mesma idéia. Só que, no caso, sua fé está posta na Loteria Esportiva.<br />
A postura irônica e malandra de Gamelão, nessa primeira fala, cede lugar à desolação,<br />
quando ele toma consciência de que não levar o prêmio, já nas últimas cenas da peça:<br />
“GAMELÃO - O professor Malba Tahan... é um cobra em matemática, física, ciências naturais.<br />
Também um grande poeta e prosador... Mas isso não importa. Outro dia ele falou numa entre-<br />
vista, eu li... Ele falou que a Loteria Esportiva são quatrocentos e oitenta mil combinações. Pela<br />
lei <strong>das</strong> probabilidades o cara precisa de cem anos para ganhar, jogando um duplo. Três triplos,<br />
pelas minhas contas, precisa de uns setenta anos. Agora, eu vou ter saco para passar setenta<br />
anos jogando? Não tenho. Tou com trinta e oito, mais setenta são cento e oito. Quer dizer,<br />
quando eu ganhar de novo já tou pra lá de brocha e o que é que adianta?”<br />
No já citado apoteótico discurso final de Gamelão, há uma frase que diz: “Bate um car-<br />
tão que registra a partir de que hora ele começou a morrer naquele dia”. Esta frase aponta uma<br />
idéia que também está presente no texto Rodízio. É quando a personagem Locutor entrevista<br />
diversos profissionais que devem responder à pergunta “o que significa viver?”. E to<strong>das</strong> as res-<br />
postas levam à conclusão de que o significado mais primário do viver é o se alimentar, morar,<br />
trabalhar, estudar e pertencer, por fim, a uma sociedade que garanta igual padrão de dignidade<br />
para todos os seus membros. Ao que o Locutor conclui que quando se quiser saber em que ra-<br />
mo trabalha um operário deve-se fazer a seguinte pergunta: “Escuta, velho, você morre de<br />
quê?”.<br />
Nos dois textos estão presentes a idéia de que os estímulos consumistas como fator de<br />
felicidade jamais serão sentidos pela grande maioria do país. Esta idéia fundamentará Gota<br />
D'água. <strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong> vai descobrindo a contradição básica do capitalismo nacional: o princípio<br />
do sistema é o estímulo ao consumo. A contradição é negar a possibilidade de consumo à maio-<br />
ria da população.