14.04.2013 Views

Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira

Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira

Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

quantia de quarenta por cento da renda bruta, nós, os cedentes, quarenta por cento, e os vinte<br />

por cento restante serão gastos em despesas de manutenção” (p. 60).<br />

Há muito o Mendigo vinha alertando o casal para aquele filho inválido, uma fonte de<br />

renda sem comparação. O casal relutava em alugá-lo para o negócio da mendicância. Agora, a<br />

falência civil é completa e não há como pagar o prejuízo tomado pelo Mendigo quando da apre-<br />

ensão dos móveis e objetos do casal, cujo desejo é o de curar o filho inválido:<br />

“EUGÊNIO - Vou lhe dar uma grande notícia, filho. Estávamos só esperando a ocasião para lhe<br />

dizer: um médico nos deu quase certeza de que nosso filho pode ficar bom - vai poder falar, ou-<br />

vir, lhe conseguirá dois braços, dois lindos braços, resistentes, do melhor material que existir;<br />

lhe conseguir também duas pernas bem bonitas... bola com Pelé, atira, gollll!... Meu filho vai<br />

ser quase normal, vai poder se mexer quase igual a gente mesmo, quer dizer, como qualquer um<br />

de nós...” (p. 56).<br />

Mas não se conta o número de pediatras, ortopedistas e outros médicos que se procurou.<br />

Não há jeito. O filho inválido tornou-se, entre o casal e o Mendigo, o ponto de conflito. Inváli-<br />

do é só um modo de dizer: para o casal, há a esperança da sua recuperação; para o Mendigo, há<br />

ali uma fonte de renda.<br />

E tem razão o Mendigo: no segundo movimento da peça, após firmarem o contrato de<br />

exploração comercial da criança, os móveis e objetos que tinham sido confiscados pela justiça,<br />

voltam para a casa dos velhos artistas. Agora, eles já têm dinheiro. Agora, podem cuidar da<br />

operação do garoto.<br />

Acontece que o tempo que resta de exploração ainda é longo. O terceiro movimento da<br />

peça é o desaparecimento do menino do ponto onde ele é habitualmente colocado. O Mendigo,<br />

como de costume, tem acesso de fúria. Eugênio aproveita a notícia que o Mendigo lhe traz, e<br />

pede que ele deixe a casa. Ao fim do quadro, o Mendigo descobre que Eugênio tinha raptado o<br />

garoto, marcado operação e, óbvio, desrespeitado o contrato firmado entre eles.<br />

O movimento seguinte é o julgamento. O juiz apresenta os caminhos tortuosos do seu<br />

pensamento, num longo discurso pleno de nonsense, onde se cita desde Charles Darwin até o<br />

Corcunda de Notre Dame; desde Incitatus, o famoso cavalo-senador de Calígula, até o Tio Pati-<br />

nhas, numa busca falsamente erudita de encontrar a solução para o caso da criança. O discurso<br />

do juiz lembra os enormes discursos que a máscara do Dottore da Commedia dell'<strong>Arte</strong> costu-<br />

mava fazer. O Dottore, assim como o juiz de <strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong> e Alfredo Zemma, por qualquer mo-

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!