Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira
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ATOR 2 - Zé Gonçalves, seu criado.<br />
ATOR 1 - Paraibano?<br />
ATOR 2 - Paraibano.<br />
ATOR 1 - O que é que o senhor faz na vida?<br />
ATOR 2 - Sou plantador de algodão.<br />
ATOR 1 - O que é que o senhor acha do desenvolvimento?<br />
ATOR 2 - Acho que do jeito que as coisas estão, a gente tem de correr um bocado para ficar no<br />
lugar onde está” (p. 25).<br />
E ainda se seguem outras cenas curtas como esta que compõe uma espécie de mosaico<br />
cuja figura de fundo é mais cruel do que a miséria: é a incapacidade, o desânimo, a falta de<br />
perspectiva para combater uma situação sem aparente solução. Nesse sentido, há uma cena an-<br />
tológica sobre um homem que resolve morrer:<br />
“ATOR - Boa noite, está aqui um que perdeu as esperanças de melhorar. Pensando muito na<br />
minha vida, eu descobri que passo o tempo todo pra poder ficar em pé e continuar trabalhando.<br />
COMEÇA A ARRUMAR A REDE NO CHÇO. Trabalho, recebo dinheiro, compro todo de<br />
comida, pra poder trabalhar no outro dia. Nunca fico rico, não tenho mulher, não danço, não<br />
bebo, não viajo, não nada. Tudo o que eu faço é pra continuar em pé. Aí, eu cheguei à conclu-<br />
são: vou morrer. SENTA-SE EM CIMA DA REDE. Me deito aqui nesta rede, me estiro, come-<br />
ço a dormir e não acordo mais nunca. Em vez de ficar a vida toda em pé, eu fico deitado a eter-<br />
nidade. Os senhores que ficam, boa noite, obrigado pela atenção dispensada e sigam meu exem-<br />
plo” (p. 28 e ss).<br />
O homem deita-se na rede para morrer. Chega um grupo de pessoas, observa o homem<br />
deitado, examina se está vivo, se está morto, quando o homem se pronuncia; aí, então, dá-se um<br />
diálogo onde os outros vão querer tirá-lo daquela situação:<br />
“ATOR - Eu conto e vocês me deixam sossegado?<br />
OS TRÊS - Deixamos.<br />
ATOR - Eu não aguento mais trabalhar para comer. Trabalho, como, trabalho. Durmo, trabalho<br />
e como. De tardezinha me d uma tristeza!<br />
DOIS - Homem, deixe de trabalhar...<br />
ATOR - Aí eu não como.