Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira
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6.1 - O problema da criação<br />
É evidente: Gota D'água é inspirada na Medeia de Vianinha. Mas isso não diminui o seu<br />
valor. Mesmo porque Medeia de Vianinha é inspirada na Medeia de Eurípides. Isso em nada<br />
diminui o valor da obra de Vianinha. Ao contrário. Vianinha diz no seu texto: “Atualização da<br />
tragédia de Medeia, da Mitologia Grega” 134 .<br />
Vianinha sabia (embora Deocélia não parecesse saber) que um tema, profundo ou não,<br />
não se esgota numa obra. Nem mesmo num único autor. Goethe, ao escrever o seu Fausto, não<br />
esgotou o tema. Mesmo porque, antes de Goethe, Marlowe, na Inglaterra, escreveu Fausto, cuja<br />
fonte de inspiração deita raízes na Idade Média. Shakespeare, exemplo clássico, não tem uma<br />
única obra cuja idéia original tenha sido sua.<br />
Um tema não pertence a um homem. A obra, sim. Repetir um tema não significa plágio.<br />
É preciso saber que um tema tem o seu próprio desenvolvimento básico, a sua estrutura, a sua<br />
concepção do mundo enfocado. Várias obras sobre um tema dialetizam o problema que ele traz<br />
consigo.<br />
Um tema é um instigamento. A obra a sua resposta. O tema do amor desvairado, do a-<br />
mor total, sequioso, ensandecido, do amor que só enxerga para sua satisfação o ser amado, do<br />
amor tão grande, tão absoluto, tão completo quanto incapaz de viver sem o seu objeto, a ponto<br />
de, à falta do ser amado, se transformar eloquentemente em seu contrário; transformar-se em<br />
ódio desvairado, total, sequioso, ensandecido, absoluto, a ponto de, sofrendo por querê-lo vivo,<br />
não pode deixar de sofrer por querê-lo morto; o tema do amor assim é com certeza mais antigo<br />
do que Eurípides. Mas a sua Medeia tratou-o com perfeição.<br />
Vianinha, reescrevendo Medeia, não perdeu de vista o seu ponto central: o amor tão ce-<br />
go que é incapaz de distinguir, quando rompe o seu equilibrio, o amado do odiado. Mas da peça<br />
de Eurípides, Vianinha atentou para um ponto e o atualizou: nela, Jasão deixa a casa de Medeia<br />
pela casa de Creonte, o rei. Em Vianinha, Jasão deixa a casa de Medeia pela de Creonte, o capi-<br />
talista.<br />
134 VIANNA FILHO, Oduvaldo. Medeia. Texto em apostila. Arquivo do Jornal A Tribuna, de Santos, gentilmente<br />
cedido por Carmelinda Guimarães.