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Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira

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“Quem pretende visitar Itamaracá (Pernambuco) deve incluir em seu roteiro turístico,<br />

para meditar alguns minutos, antes ou depois de atravessar a ponte que une o continente à ilha<br />

onde se encontra o Forte Nassau, uma rápida parada num estranho santuário. Está localizado<br />

num ponto de fácil acesso; no centro da pequena vila de poucas ruas. Um santuário que, aliás,<br />

existe, sob diferentes aspectos, em inúmeras vilas e pequenas cidades do interior do Nordeste<br />

brasileiro. É constituído por uma estaca, tendo em cima uma pequena caixa, cor-de-rosa no ca-<br />

so, fechada com um cadeado. Nesta vila em frente à ilha de Itamaracá, região histórica marcada<br />

pela invasão dos holandeses, o novo invasor está escondido dentro da caixa: à noite todos os<br />

moradores vem para a praça trazendo cadeiras ou sentando no chão, o cadeado é aberto e dentro<br />

está um aparelho de televisão” 67 .<br />

Fernando Peixoto não foi o primeiro e nem provavelmente ser o último a lamentar que<br />

a televisão, com o seu olho mágico, enfeitice a consciência rural do país e sub-repticiamente vá<br />

decalcando a velha cultura tradicional uma outra que lhe é estranha; ao velho pensamento patri-<br />

arcal - um outro que lhe é diferente. Sem dúvida esse fenômeno existe. Cacá Diegues, há alguns<br />

anos atrás, realizou Bye Bye Brasil, um filme que aponta para as “espinhas de peixe” (as ante-<br />

nas dos aparelhos de televisão) e as identifica como inimigas da cultura popular, quando mostra<br />

uma companhia de artistas mambembes que cada vez mais busca as pequenas vilas do interior<br />

brasileiro, lugares onde as antenas não estejam presentes, e não constituam, portanto, o impe-<br />

dimento para que seu espetáculo se realize.<br />

A televisão muda o comportamento. Muda também o pensamento. Molda uma outra<br />

cultura; revela outro universo; amplia a visão do mundo; acrescenta novos valores; ao mesmo<br />

tempo que pode tudo aumentar, pode também reduzir: mudar o comportamento sem mudar o<br />

pensamento; moldar outra cultura sem revelar outro universo; ampliar a visão do mundo sem<br />

acrescentar novos valores. A televisão é apenas um instrumento, e, assim sendo, a sua eficiência<br />

para melhor ou pior só depende dos interesses em jogo. Não é a besta eletrônica do Apocalipse,<br />

como às vezes aparenta, diante dos depoimentos dos que querem “salvar” (embora não se duvi-<br />

de <strong>das</strong> boas vontades) a cultura popular. Não é também um anjo de candura, inocente e desinte-<br />

67 PEIXOTO, Fernando. Teatro em Pedaços. S. <strong>Paulo</strong>: Hucitec, 1980, p. 91.

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