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Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira

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consegue resistir ao assédio de uma fã. A mulher entra. Ato contínuo aponta para Eneida um<br />

revólver.<br />

Exercício proposto pela mulher: Eneida dispõe de cinco minutos para lembrar-se de um<br />

mal muito grande que fez. Cinco minutos. Caso não se lembre, ela a mataria.<br />

“ENEIDA - /.../ É por causa da Oriana?... A senhora é fã da Oriana? Queriam fazer um contrato<br />

com ela na televisão e eu fui contra. /.../ É por causa do Maestro Serpa? Ele passou um tempo<br />

enorme fazendo os arranjos pro meu disco... Depois eu fiz o disco com o Eliseu. Mas isso foi<br />

conveniência da gravadora... Eu também gosto mais do Eliseu... Está bem... Fui eu que mudei<br />

de idéia... O Eliseu é mais moderno...”<br />

E segue por aí chutando uma coisa ou outra: o garçom do restaurante, despedido por sua<br />

causa, o contra-regra do teatro que ela despediu. Não era nada daquilo.<br />

A mulher que lhe aponta o revólver conta os minutos que faltam. Eneida não consegue<br />

lembrar-se e vai perdendo o equilíbrio. Da postura prepotente inicial, Eneida, colocada diante<br />

de um problema sem solução aparente, vai-se afundando em angústia, desequilibrando-se psico-<br />

logicamente e, consequentemente, entrando num transe de desequilíbrio mental. Mas a mulher<br />

que lhe aponta o revólver não a quer sem razão:<br />

“DOLORES - Vou ajudar. É uma música que você gravou de muito sucesso.<br />

ENEIDA - Sei, sei. O Bobi tinha prometido a música pra Cíntia gravar, mas a música era muito<br />

boa e eu gravei... Eu não podia dar essa música pra Cíntia... A gente vive de sucesso e é tão<br />

difícil descobrir um... A senhora é mãe da Cíntia?”<br />

Não. A mulher era mãe de um garoto que sonhava viver de sua música. Viajou para o<br />

Rio de Janeiro, bateu na porta de Eneida, procurou, insistiu, esperou, ficou sem dinheiro, dei-<br />

xou a música gravada num cassete, se desiludiu, voltou para Minas, e um dia, comprando o<br />

último disco de Eneida, de quem era fã, escutou a sua música, mas o crédito no disco era de<br />

outro:<br />

“DOLORES - Ouviu a música dele sem parar umas duas semanas. Eu dizia: “Vai lá falar com a<br />

mulher, Nozinho. Vai pra lá, vai no jornal, põe a boca no mundo”. Mas ele era muito assim.<br />

Muito quieto. Triste. A solidão daquela cidade deixa as pessoas com derrota na alma... Ele era

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