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Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira

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A partir daí segue uma deliciosa discussão sobre os pratos que os dois gostam, ou gosta-<br />

riam, de comer.<br />

A fome não é só um quadro de profunda injustiça social. É também um tema constante<br />

em comédia, desde a velha Commedia dell'<strong>Arte</strong>. O tema da fome, como impulso ao riso, repete-<br />

se através da história. Está presente tanto em Goldoni quanto em Chaplin, para tomarmos e-<br />

xemplos extremos. Em Arlequim Servidos de Dois Amos, de Goldoni, Arlequim consegue um<br />

jeito de trabalhar para dois patrões simultaneamente. Com isso ele poderia comer em dobro. A<br />

fome é um dado importante na composição do histrionismo de Arlequim. Por outro lado, na<br />

personagem do vagabundo de Chaplin, a fome é um elemento que ajuda a compor a tristeza da<br />

personagem. E nem por ser triste, a personagem deixa de ser cômica.<br />

<strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong> somou o tema da fome como tradição da comédia à tradição da comédia de<br />

costumes no Brasil, temperando-a com uma pitada de investigação sobre a condição do homem<br />

brasileiro. Eis a receita básica desse texto.<br />

Mas há uma outra cena em Um Edifício... que é citação de uma cena já apresentada no<br />

Paraí-bê-a-bá 98 : é a do homem que, cansado de trabalhar para comer, e cansado de comer para<br />

trabalhar, resolve estender a rede no chão e morrer.<br />

A citação dessa cena em Um Edifício... acontece logo depois que Gamelão toma conhe-<br />

cimento de que as mulheres não fizeram o jogo milionário:<br />

“GAMELÃO - /.../ Eu confesso, não suporto mais tanta realidade (TEMPO. APANHA O<br />

LENÇOL). Eu vou morrer (FORRA O LENÇOL NO CHÃO). A partir deste instante eu me<br />

considero um homem morto (DEITA-SE NO PALCO). Deito aqui e não acordo numa mais (SE<br />

BENZE. OLHA PRO ALTO). Que Deus me perdoe (ESTICA, CRUZA OS BRAÇOS. TEM-<br />

PO LONGO. ELAS SE APROXIMAM LENTAMENTE. KARLA PÕE SEU OUVIDO NO<br />

CORAÇÃO DE GAMELA. FAZ UM GESTO POSITIVO COM OS DEDOS PARA ANI-<br />

NHA).<br />

KARLA - Coitadinho...<br />

ANA - Não morra, Gamela...<br />

KARLA - Gamelão... Você foi o melhor homem que eu conheci em minha vida... Você não<br />

existe, meu Gamela... Olhe... Gamela, você é bom paca... Você tem um corpo tão lindo... Uma<br />

cara... Sei lá, você tem o coração bom... É bom de cama, Gamela. É ou não é, Aninha?...<br />

ANA - É...<br />

98 Vide Paraí-bê-a-bá

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