Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira
Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira
Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
capacidade de fato. Mas não é capaz de transformar em pessoa de direito quem não é de fato.<br />
Graças a isso é que o Jockey Clube pode ter cavalos, o fazendeiro pode ter bois e a madame<br />
pode ter cachorros. Ora muito bem, considerando o que foi dito; considerando que estamos di-<br />
ante de um dos mistérios da natureza, de um indecifrável desígnio do Criador, resolvo que: para<br />
salvaguardar a ordem <strong>das</strong> coisas, o que é planta continue a ser planta, coisa, coisa, gente, gen-<br />
te...” (p. 77).<br />
Talvez o aproveitamento da retórica caudalosa do Dottore como recurso cômico não te-<br />
nha sido consciente por parte de <strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong>. Por isso, não a enumeramos como a quinta refe-<br />
rência encontrável neste texto, como fizemos páginas atrás. Sem desconsiderar que <strong>Paulo</strong> Pode-<br />
ria conhecer essa particularidade da máscara do Dottore, parece-nos que o texto do juiz, antes<br />
de qualquer referência erudita sobre comédia, em <strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong>, foi gerado, principalmente, pela<br />
sua vivência e observação do gosto popular pela prosódia abundante - mesmo que eivada de<br />
nonsense. Em 1976, em entrevista a Márcia Guimarães, ele disse: “O povo brasileiro tem muito<br />
apreço pela destreza verbal. Eu sou um homem vindo <strong>das</strong> classes populares, e eu sei o que sig-<br />
nifica um júri na Paraíba, onde eu nasci. A praça se enchia de gente. Ficavam horas ouvindo os<br />
advogados falar” 129 .<br />
Não seria talvez pelo apreço popular à destreza verbal que a máscara do Dottore fizesse<br />
tanto sucesso? Se a resposta correta for sim, <strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong> ter provado mais uma vez o seu agu-<br />
do senso de observação da alma popular.<br />
5.2 - A arte do povo em oposição à arte de consumo<br />
Por conhecer a alma popular, por acreditar que só as coisas sabi<strong>das</strong> pelo povo podem vi-<br />
abilizar algum esboço de resistência estética contra a massificação do gosto, do consumismo<br />
desvairado que a indústria cultural incentiva - fazendo velho o que ontem era novo - <strong>Paulo</strong> Pon-<br />
tes imagina a situação inicial da peça: uma cantora lírica e um violonista falidos. E por que es-<br />
129 GUIMARÃES, Márcia. Op. cit.