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Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira

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tajoso sobre a dramaturgia estrangeira, que são a personagem e o problema brasileiro. Na medi-<br />

da em que os temas que mais interessam, que estão mais ligados à vida de todo o mundo, na<br />

medida em que as personagens mais reconhecíveis pela consciência pública não estão podendo<br />

ser escritos, fica empobrecida a capacidade de diálogo do autor brasileiro com o seu públi-<br />

co” 115 .<br />

Eis, então, o grande problema que a censura lançava na dramaturgia brasileira: era pre-<br />

ciso escrever em linguagem cifrada. Acontece que linguagem não compreensível pelo censor<br />

também não é compreensível pelo público, mesmo porque de teatro os censores (treinados pelo<br />

então Serviço Nacional de Teatro - hoje Funarte) entendiam o suficiente.<br />

Check-up é um texto cuja linguagem precisou de signos obscuros para alcançar o públi-<br />

co: Zambor, a personagem central, a todo momento, por qualquer motivo, é impedido de fazer o<br />

que deseja. E o que deseja é muito simples, lógico, racional. Mas há sempre uma ordem superi-<br />

or, um regulamento qualquer do hospital que o impede.<br />

Mas aí uma pergunta se impõe: quem é Zambor? - um ator, ou por outra, um homem ca-<br />

paz de construir em si os signos de uma cultura, e de torná-la viva como a expressão de um po-<br />

vo. Por esse motivo Zambor vive de citar trechos de peças a propósito de qualquer coisa. Zam-<br />

bor, a personagem, é a representação imagética do setor cultural de uma sociedade.<br />

Check-up é uma volta metafórica, um jogo onde o tema - censura - está presente e au-<br />

sente ao mesmo tempo. Foi assim que Gilberto Tumscitz percebeu a peça, quando de sua estréia<br />

no dia 6 de setembro de 1972: “Num primeiro nível, a peça coloca o conflito de um homem<br />

inteligente - habituado a raciocinar, a tomar decisões, a optar pelo que lhe parece certo - com<br />

uma instituição cheia de contradições - o hospital, reflexo de uma sociedade despreparada /.../<br />

Num nível profundo, para os espectadores sensíveis, a fraqueza do próprio Zambor, fera acua-<br />

da, seu medo da morte em contraste com seu pavor à vida. Tudo nos é servido na mais perfeita<br />

carpintaria de teatro realista, de que <strong>Pontes</strong> só escapa uma vez, por alguns minutos do segundo<br />

ato, para compor uma cena belíssima em que Zambor, a partir de uma discussão com o médico,<br />

se interroga e nos interroga sobre a própria essência do teatro” 116 .<br />

No clima policial que se vivia, nada podia ser dito claramente, nem pelo autor nem pela<br />

crítica. Quem escrevia era obrigado a falar alusivamente sobre assunto que fosse passível de<br />

censura. E tudo o era. Os trabalhos de Tânia Pacheco e de Yan Michalski estão repletos de ca-<br />

115 FONTA, Sérgio. Op. cit. p. 77.<br />

116 TUMSCITZ, Gilberto. “O voo mais alto de <strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong>”. Rio de janeiro, O Globo, 7 de setembro de 1972.

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