Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira
Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira
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“MEDEIA - Amigas, está decidido o meu ato: o mais depressa possível matarei os meus filhos<br />
e fugirei para longe deste país, a fim de não expor, com demoras, as crianças a perecerem por<br />
mãos hostis. É absolutamente necessário que eles morram. E, sendo assim, eu é que os devo<br />
matar, eu que os lancei a este mundo. Vamos, pois, coração, arma-te de força! Para que tardar?<br />
Quem recua diante destas ações tremen<strong>das</strong> mas imprescindíveis? Vai, calamitosa mão, tomar o<br />
gládio e aproxima-te dos limites de uma existência acerba. Não sejas covarde. Não hei-de lem-<br />
brar-me deles, que tanto adoro e dei à luz. Vamos! Por agora, ao menos, esquece os filhos. De-<br />
pois, geme. Porque, se os matas, eram-te no entanto queridos; quanto a mim, serei uma mulher<br />
infortunada” (p. 65).<br />
Em <strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong> e Chico Buarque, Joana mata os filhos como último recurso de vin-<br />
gança. Mata, e mata-se, já que para ela não havia mais perspectiva. O seu temperamento impul-<br />
sivo não a deixaria viva para arquitetar outra vingança, que não fosse a mais radical. Antes do<br />
genocídio, Joana fala de um outro lugar em tudo diferente do mundo em que vive. No outro<br />
mundo tudo seria paz, harmonia, gentilezas. Cai em si. Dá um bolinho envenenado para cada<br />
criança:<br />
“JOANA - A Creonte, à filha, a Jasão e companhia/ vou deixar esse presente de casamento/ Eu<br />
transfiro pra vocês a nossa agonia/ porque, meu Pai, eu compreendi que o sofrimento/ de convi-<br />
ver com a tragédia todo dia/ é pior que a morte por envenenamento” (p. 167).<br />
N) Consumada a vingança, resta à fuga.<br />
Em Vianinha, a fuga é previamente combinada com Egeu, que a espera com o seu táxi,<br />
enquanto Jasão, a polícia, os amigos, os vizinhos, a procuram temendo que ela justamente ma-<br />
tasse os filhos. Medeia entra no carro de Egeu, no momento que os corpos <strong>das</strong> crianças foram<br />
localizados:<br />
“MEDEIA - Não aguento mais, Egeu, não aguento. Não vou suportar tudo o que fiz. Fui longe<br />
demais. Sou um ser humano - a vingança realizada deixa mais vazia a vida, porque os obstácu-<br />
los continuam em to<strong>das</strong> as esquinas... a vingança só é suportável se é dividida... Egeu, vou me<br />
matar também... mas por favor, por favor, atira meu corpo no mar, esconde meu corpo... que<br />
eles nunca me achem... que eles pensem que eu fiquei sem castigo...” (Quinta Parte).