Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira
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samba que pediram permissão para ensaiar naquela noite, quando estão há uma semana do iní-<br />
cio do carnaval, isso sem contar os inúmeros blocos etc.<br />
Ana Maura tenta esquecer. Não consegue. Tenta falar com o marido. Não consegue. Li-<br />
ga o rádio: toca sucessos do carnaval e anuncia um desfile de escolas de samba na Av. <strong>Vieira</strong><br />
Souto, onde mora Ana Maura.<br />
Ana Maura é uma mulher carente. Casada há vinte anos e paralítica há dez, vive na casa<br />
que herdou da família, em Ipanema. O marido tem problemas financeiros na sua indústria e<br />
quer vender a casa para cobrir os déficits de caixa. Vender a casa e um asilo de menores. Ana<br />
Maura não concorda. Mas naquela noite, pressionada pelo marido, resolve vender a casa, não o<br />
asilo, obra de sua mãe. Liga para o marido insistentemente naquela noite. Inclusive para dizer<br />
do crime que se planeja.<br />
Tenta dormir. Não consegue. Encontra o Registro de Identidade do marido. Ligar para<br />
uma amiga, para pedir que o marido dela, homem influente, tente junto à polícia evitar que o<br />
crime aconteça. A mulher diz-lhe que o marido viajou, e ela própria teria viajado, se não tivesse<br />
esquecido sua Identidade em casa.<br />
Um rapaz que trabalha no escritório do marido de Ana Maura liga para ela, dizendo que<br />
o Dr. Walter viajou a negócios para São <strong>Paulo</strong>, não ir dormir em casa naquela noite.<br />
Ana Maura se angustia com a sua impotência por não poderá evitar o crime. Já está qua-<br />
se na hora marcada. Uma escola de samba começa a entrar na <strong>Vieira</strong> Souto. Ana Maura, que<br />
não sabia do desfile, liga o rádio para confirmar esse desfile em sua rua. Confirmou. Ela pensa<br />
no marido que viajou para São <strong>Paulo</strong>. Mas como, se ele esqueceu a sua Identidade em casa, e a<br />
sua amiga lhe dissera que sem a identidade não se pode viajar.<br />
Ana Maura começa a desconfiar que ela é a vítima marcada para morrer naquela noite.<br />
Tenta falar com a polícia. Está ocupada a linha. Liga para a empresa telefônica. Fala com a tele-<br />
fonista. Pede que a moça entre em contacto com a polícia. Está ocupada a linha. Ela desliga.<br />
Toca o telefone. É o marido. Dr. Walter pede que ela saia correndo dali. Ela é paralítica. Ele<br />
está arrependido. Está na hora marcada para o sacrifício. Ela lhe diz que já tinha concordado<br />
em vender a casa. Ele insiste para que ela corra. A escola de samba entra na avenida. Um ho-<br />
mem surge na casa. Ela grita. O fone fica pendurado. O homem pega o fone e ouve o marido<br />
insistindo: “Ana... Ana... Levanta... Ana... Levanta...” O homem muito cortês responde: “Liga-<br />
ção errada, cavalheiro. Desculpe”.<br />
Esse texto, como também A Testemunha, apresenta uma situação de suspense que se<br />
mantém com uma intensidade em crescendo, embora Célia tenha uma trajetória mais simples,