Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira
Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira
Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
gica diabólica, consiste em concentrar a renda nas mãos de uma parte da população para que<br />
esta leve ao paroxismo o consumo de bens duráveis e mantenha em expansão o processo produ-<br />
tivo. É uma necessidade desse modelo importar uma tecnologia cada vez mais sofisticada por-<br />
que ele tem de colocar no mercado uma diversidade cada vez maior de produtos; e estimular os<br />
beneficiários da concentração de renda a não parar de consumir. A regra é criar novas necessi-<br />
dades de consumo na única faixa que consome. A propaganda é o grande instrumento de cria-<br />
ção de hábitos de consumo - ela estimula o furor aquisitivo (nos 20% da população que adquiri-<br />
ram poder de compra), sem o que esse sistema perde sua capacidade de expansão” 124 .<br />
O que tem a ver o subdesenvolvimento com o tema de Fausto ou mesmo com a peça Dr.<br />
Fausto da Silva? <strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong> vai explicar os meandros do seu raciocínio logo adiante. Antes, é<br />
preciso lembrar que no ano de 1972 o país estava mergulhado em plena ditadura Médici, e o<br />
Ministro Delfim Netto manipulava os dados da economia, auxiliado pelo silêncio imposto à<br />
imprensa, com o objetivo de apresentar à classe média o “milagre econômico”, que viria redi-<br />
mi-la e presenteá-la, finalmente, pelo apoio dado ao golpe de 64. Com o “milagre” operado na<br />
economia, a classe média poderia consumir cigarros de filtro cada vez mais sofisticados, televi-<br />
são a cores, e com um pouco de esforço, um fusquinha.<br />
<strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong> estava atento para o engodo que se denominava “milagre”, como convém a<br />
um país católico. Por isso, o seu Dr. Fausto da Silva, uma peça que, lançando mão de um tema<br />
antigo, apresenta a situação de um homem (ou de uma classe social) que pactuou com o inimigo<br />
para garantir status quo.<br />
Vejamos, enfim, o que tem a ver, na concepção de <strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong>, o Dr. Fausto da Silva<br />
com o tema do subdesenvolvimento: “É uma comédia que se passa na televisão, mas a televi-<br />
são, o instrumento mais eficaz de mudança de hábitos de consumo, é, para mim, nesta peça,<br />
apenas o ambiente através do qual se tenta revelar como uma sociedade planejada para entregar<br />
o produto do trabalho social às mãos de uma minoria pode deformar o que há de mais legi-<br />
timamente humano nas pessoas. Isso porque não apenas os inteiramente marginalizados desse<br />
sistema aqui exposto estão pagando caro. O processo é tão seletivo que os que estão disputando<br />
uma vaga no clube tem um preço humano muito grande a pagar. “Vender a alma” é a metáfora<br />
precisa para explicar o dano causado ao homem bem sucedido pela diabólica aventura de con-<br />
seguir status de minoria privilegiada num país subdesenvolvido. O meio mais contundente que<br />
eu encontrei para exemplificar os danos humanos, éticos e sociais que esse sortilégio desenvol-<br />
124 PONTES, <strong>Paulo</strong>. “Algumas palavras sobre Fausto da Silva”. Prefácio e texto editados In Revista de Teatro. Rio<br />
de Janeiro, SBAT, maio de 1975, p. 54. To<strong>das</strong> as citações referentes à peça serão dessa mesma fonte.