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Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira

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na grama, não cuspa no chão, não faça pipi nas calças, não faça má criação, não cruze esta por-<br />

ta, não diga palavrão... Por que, Doutor?... Pra dizer que o homem não pode, vai ter que rebolar<br />

muito. O homem pode. “Há muitas coisas maravilhosas na natureza, mas a maior delas é o ho-<br />

mem...” Sófocles. Quer saber mais do que Sófocles, Doutor de Merda? E agora? O homem po-<br />

de. Eu afirmo que pode...”<br />

A parte final do discurso, que trata do mistério da natureza humana, por sua vez, serve<br />

de gancho para um novo discurso pronunciado pela personagem central, agora trazendo a esté-<br />

tica para o centro do problema. O discurso de Zambor adquire enorme variedade e profundida-<br />

de, que termina por transcender o sentido primário da estética como instrumento capaz de medir<br />

as condições e os efeitos da criação artística; o texto caminha, portanto, em direção à poesia<br />

como sublimação do belo no homem; e dentro desse espectro conceitual, busca no campo da<br />

poesia, a poesia teatral, a palavra posta em ação, capaz de gerar diversidade de emoções e sen-<br />

timento:<br />

“ZAMBOR - Essa ferida e essa mancha que você achou no pulmão não prova nada... Tudo o<br />

que o conhecimento médico produziu para mostrar que era possível conhecer e organizar a so-<br />

ciedade humana... é um prédio velho, enorme; as paredes cheias de livros, Doutor, insistindo<br />

que a vocação do homem é o domínio do seu destino... Eu saí de uma cidade onde mostravam a<br />

evolução orgânica dos seres vivos, e via nas ruas pernas sepulta<strong>das</strong>, olhos vazados, castrados,<br />

seres mutilados. Mas, Doutor, estava lá escrito na universidade que era possível racionalizar a<br />

humanidade... Doutor, sabe que eu estou trabalhando até hoje para descobrir isso?... Minha vida<br />

inteira, Doutor, eu joguei para descobrir outra alternativa. De lá pra cá, não houve idéia nova,<br />

um lampejo que desse luz ao caminho do homem neste mundo que eu não tenha me entregado<br />

com a alma e com esse corpo que o senhor diz que está apodrecendo... (PAUSA) - No teatro foi<br />

difícil fazer um ator dizer esta frase: “A vitória da razão é a vitória dos homens racionais”.<br />

(TEMPO) - Mas eu não parei de acender o refletor em cima de uma voz para ela gritar num<br />

palco que a aventura humana tem sentido... Doutor, eu tinha um eletricista chamado Elias... O<br />

senhor não sabe como é que ilumina o teatro. A gente numera os refletores e joga eles em cima<br />

do palco conforme o movimento dos atores. Eu gritava: Elias, dá o dezoito, pra aquela hora que<br />

Woyzeck olhar pro horizonte... Joga o vinte em cima de mim pro velho Ifraim dizer que não vai<br />

rastejar... Dá toda luz nos mendigos de Górki... Quando O'Neill mostrar que o ser humano tem<br />

coragem de até cheirar sua podridão, você baixa a luz, Elias... Não, Elias, essa não. A luz da<br />

Velha Senhora é aquela da gelatina barro-escuro... Dá um close na cara do Papa, quando ele

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