Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira
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Primeiro: Qorpo-Santo, pelo absurdo da situação apresentada (embora a narrativa de<br />
<strong>Paulo</strong> e Alfredo Zemma seja completamente linear, coisa que não acontece com Qorpo-Santo);<br />
e também pelo nome <strong>das</strong> personagens centrais, o casal Eugênio e Eugênia (que lembra alguns<br />
casais de Qorpo-Santo como, por exemplo, Mateus e Mateusa, da peça do mesmo nome, ou<br />
Lindo e Linda, da peça Eu sou vida; eu não sou morte).<br />
Segundo: Joracy Camargo, pela peça Deus lhe pague, em que a personagem central, o<br />
Mendigo, é uma espécie de filósofo condestável do sistema sócio-político cujo trabalho consiste<br />
em oferecer à sociedade a redução da sua culpa pela autocomiseração transformada em óbolo,<br />
que, evidentemente, o enriquece. Na peça de <strong>Paulo</strong> e Alfredo Zemma, também há a personagem<br />
de nome Mendigo, inquilino do casal Eugênio e Eugênia cuja trajetória é semelhante à da per-<br />
sonagem de Joracy Camargo. A diferença está no modo como as duas personagens encaram a<br />
sociedade: a de Joracy Camargo compreende o mecanismo de exploração e o condena, embora<br />
dele se utilize como vingança; a de <strong>Paulo</strong> e Alfredo é mais uma mantenedora dos mecanismos<br />
de exploração, com plena consciência do seu papel.<br />
Terceiro: Bertolt Brecht, na peça O círculo de giz caucasiano, nas cenas finais em que o<br />
juiz, emitindo sentenças estapafúrdias, julga sobre o direito de guarda da criança, ali s, cena<br />
essa que é por sua vez citação de Cervantes, quando Sancho Pança (no segundo livro do Dom<br />
Quixote), tornado juiz, julga correto por sentenças absur<strong>das</strong>. Nas cenas finais da peça de <strong>Paulo</strong><br />
<strong>Pontes</strong> e Alfredo Zemma, surge uma personagem de nome Homem (cujo papel é julgar a guar-<br />
da do filho do casal Eugênia e Eugênio) e, mantendo a tradição <strong>das</strong> sentenças sem nexo, embora<br />
com resultado final diferente, julgue a favor do Mendigo, subvertendo a tradição cômica da<br />
personagem Juiz, que - como se costuma dizer de Deus - julga certo por linhas tortas. Em Cer-<br />
vantes, como em Brecht, o Juiz projeta o direito humano que transgride a letra da lei. Em <strong>Paulo</strong><br />
<strong>Pontes</strong> e Alfredo Zemma, a lei é o direito e, diante dela, o homem não é nada, refletindo o ins-<br />
tante em que a ditadura tinha estabelecido a sua lei e o seu direito.<br />
Por fim, a quarta referência: o próprio texto de <strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong>, Um Edifício Chamado<br />
200. A situação do casal Eugênio e Eugênia é idêntica à do casal Alfredo Gamela e Karla: pre-<br />
sos dentro de um apartamento, sem emprego, sem perspectiva, Eugênio e Eugênia sonham com<br />
a vida que viveram, sem forças para transformar a vida em que vivem, enquanto os credores<br />
levam do apartamento tudo o que lhes é caro: a coleção completa dos discos de Caruso, os cho-<br />
ros de Ernesto Nazareth, além dos móveis, do piano, tudo. Só lhes restando o filho completa-<br />
mente paralítico e mudo, dentro de uma cesta.