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Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira

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vimentista vem causando no car ter do homem brasileiro, foi criar uma personagem que é leva-<br />

da a hipotecar as últimas fibras de humanidade que tem dentro de si para continuar sendo um<br />

homem bem sucedido, num país de pobres miseráveis” (p. 54).<br />

Vendendo a alma ao Demônio, Fausto, no poema de Goethe, é condenado às penas in-<br />

fernais, do mesmo modo que, no Brasil, vendendo sua capacidade de produção, a classe média<br />

se vê, ao final do dito “milagre”, mais empobrecida; do mesmo modo que o Dr. Fausto da Silva,<br />

ao se vender aos índices do Ibope, vê-se fracassado, ridicularizado.<br />

O ridículo de Fausto da Silva, a personagem, começa pelo próprio título que ela se dá:<br />

“Doutor”. Na disputa pela conquista de status, qualquer pobre coitado que ascendeu socialmen-<br />

te um pouquinho, recebe o título de “doutor”, indistintamente: de advogado de porta de cadeia a<br />

delegado de polícia: de médico residente a engenheiro ou deputado, o título precede o nome<br />

como se fora marca de sua “superioridade” hierárquica. O título, aliás, é socialmente aceitável<br />

como registro de ascensão. Por isso, Fausto da Silva chamar-se Doutor. Por isso também o so-<br />

brenome popular da Silva acrescentado ao nome Fausto: o tema do homem que se vende, so-<br />

mado ao drama de uma classe que se deixa vender, resulta numa trama de profunda ironia.<br />

Mas em <strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong> a ironia é antes compaixão. Assim foi com Alfredo Gamela (Um<br />

Edifício Chamado 200), é assim com o Dr. Fausto da Silva: “É inevitável que sua alma escorre-<br />

gue do seu corpo na subida. Dr. Fausto está nos escritórios, nas fábricas, nas cátedras, nos púl-<br />

pitos. Foi por isso que, compreendendo que Dr. Fausto são milhares de homens que não podem,<br />

sozinhos, quebrar uma regra do jogo que os desumaniza, não procurei tratá-lo como réu. Ele é<br />

agente e vítima. A miséria material é o preço que se exige da imensa maioria posta à margem; a<br />

miséria moral é o preço que a minoria é obrigada a pagar” (p. 55).<br />

4.1 - O Texto<br />

O Ibope representa para o Dr. Fausto da Silva a mesma coisa que a sede de conhecimen-<br />

to e prazer para o Fausto antigo: a sua ambição maior, o fim de sua existência. Se para o Fausto<br />

clássico, conhecimento e prazer o elevariam acima da existência medíocre dos homens comuns,<br />

pelo fato de colocá-lo a par do mecanismo da existência, para o Dr. Fausto da Silva, que não<br />

sofre de angústia metafísica, o alto índice de Ibope o elevaria também acima da existência dos<br />

homens comuns, pelo fato de revelá-lo um homem que domina, com mestria, um veículo de

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