Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira
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1.10 - Balanço Parcial: Em Favor da Esperança<br />
Apesar do título, Uma Noite de Terror não causa tanto terror quanto A Vida Por Um Fio<br />
ou A Testemunha. As três têm o mesmo núcleo tem tico: uma mulher presa em uma casa, en-<br />
frentando a sanha dos marginais. Pode-se incluir também De Repente, Uma Visita entre este<br />
núcleo temático. Como intenção, Uma Noite de Terror aproxima-se bastante <strong>das</strong> duas primeiras<br />
peças. Como resultante moral, está mais próxima da última, pela conversão do bandido ao final.<br />
Milena, em De Repente, Uma Visita, também se deixa converter pelo marginal inofensivo Rú-<br />
bis.<br />
Essa mudança de comportamento <strong>das</strong> personagens ao final <strong>das</strong> peças, parece mensagem<br />
cifrada dos autores para o momento: é possível haver mudança (no comportamento humano, na<br />
sociedade), apesar de tudo.<br />
Esse salto qualitativo (em sentido positivo) <strong>das</strong> personagens, faz-nos pensar que, por<br />
volta de 1971, quando esses textos foram escritos, o medo e o negror da vida no Brasil sufocado<br />
pela ditadura fosse desesperador. Nos faz pensar que <strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong> e Vianinha procuravam in-<br />
centivar a esperança de que as coisas podem mudar. O que não devia ser fácil de imaginar-se,<br />
naquele momento, quando a ditadura, em tudo vitoriosa, dava início à campanha do “Brasil:<br />
ame-o ou deixe-o”; em que as oposições estavam totalmente silencia<strong>das</strong>, pela morte, pelo medo,<br />
pelo exílio ou pela censura. E a luta armada agonizava: sem apoio popular, não poderia ir longe.<br />
Era preciso ter esperança em alguma coisa. Pelo menos, quando não resta mais nada, isto ainda<br />
pode servir como capital para manter-se o ânimo. Não foi em vão que <strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong> por essa<br />
época escreveu um show, montado com <strong>Paulo</strong> Gracindo e Clara Nunes cujo título não poderia<br />
ser mais revelador: Brasileiro, Profissão Esperança.<br />
Essa esperança da qual o brasileiro faz profissão de fé, parece-nos que <strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong> e<br />
Vianinha apresentavam-na pela televisão para todo o Brasil, do modo como era possível trans-<br />
miti-la. A mudança de comportamento <strong>das</strong> personagens, do ponto de vista dramatúrgico parece<br />
sem sentido. <strong>Paulo</strong> <strong>Pontes</strong> e Vianinha, muitas vezes, sacrificaram o encadeamento formalmente<br />
lógico, em função de algo que lhes parecia maior, a qual os seus textos, os seus trabalhos, deve-<br />
ria servir. A arte posta a serviço da vida. Ou pelo menos da esperança. Apesar da arte.