Paulo Pontes, A Arte das Coisas Sabidas - Paulo Vieira
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deia tem casa que, aliás, não paga há oito meses (exatamente o tempo que Jasão desapareceu da<br />
sua vida). Creonte, então, tem um argumento legal para expulsá-la. Mas ele é o chefão. Não<br />
precisa de argumento. Basta a sua vontade. Medeia reage. Creonte confessa ter medo dela. Me-<br />
deia, então, para ganhar tempo, pede mais um dia. Creonte concede:<br />
“MEDEIA - Eu sei que a presença da pessoa traída incomoda muito os traidores. Mas, fora eu<br />
ter sida traída, que crime cometi?<br />
CREONTE - Ainda nenhum, mulher, fora as promessas!<br />
MEDEIA - Mas o que é que eu fiz, homem?<br />
CREONTE - Medo. Me d medo. Quem gosta de sentir medo? O inimigo sibilando por perto?<br />
/.../<br />
MEDEIA - Por favor, Creonte... por favor... então, pelo menos me dá mais um dia... não posso<br />
ir agora, às duas da manhã, sem destino...<br />
CREONTE - Você quer tempo para fazer uma maldade.<br />
MEDEIA - Casa tua filha, homem, ela é linda, é jovem, é eleita. Casa tua filha, derrama tua<br />
festa, teu chope, soa os taróis... me deixa com a minha raiva, não é permitido ter?... Me dá um<br />
dia só. Você tem medo de um dia, de mim, mulher? /.../<br />
CREONTE - /.../ Um dia só, Medeia, nem um minuto mais. Um dia” (Segunda Parte).<br />
Em Eurípides, o movimento da cena é exatamente o mesmo: Creonte quer expulsá-la,<br />
confessa ter medo dela, e Medeia pede mais um dia:<br />
“CREONTE - É a ti que eu falo Medeia de olhar soturno, que te irritas contra teu marido. Troca<br />
este país pelo desterro, leva contigo os teus dois filhos, e sem demora! Eu é que farei executar a<br />
ordem e não voltarei ao palácio antes de te haver lançado fora <strong>das</strong> fronteiras do país.<br />
MEDEIA - Ai de mim! Estou aniquilada! Infeliz! Estou perdida! Os meus inimigos desfraldam<br />
to<strong>das</strong> as velas e já não tenho porto seguro onde me abrigue da maldição. Entretanto, far-te-ei<br />
uma pergunta, Creonte, apesar da minha desgraça: por que motivo me expulsas, Creonte?<br />
CREONTE - Tenho medo de ti... por que ocultá-lo? /.../<br />
MEDEIA - Só um dia! Deixa-me ficar apenas o dia de hoje para acabar de resolver quanto ao<br />
lugar do nosso exílio e reunir os recursos para os meus filhos, uma vez que o pai não conside-<br />
rou a forma de lhos proporcionar. Piedade para eles! Tu também tens filhos, és pai: é natural<br />
que sejas benevolente. Pois não é de mim que me inquieto, nem do meu desterro, mas choro a<br />
sua sorte e o seu infortúnio.