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CAPÍTULO III<br />
UM PÉ NO ESTRIBO E OUTRO NA TERRA – RINCÃO DOS MARQUES:<br />
DILEMA ENTRE PASSADO E PRESENTE<br />
Rincão <strong>do</strong>s Marques é uma localidade, segun<strong>do</strong> caracterização de um mora<strong>do</strong>r,<br />
de agricultores familiares tradicio<strong>na</strong>is, e logo compl<strong>em</strong>enta: “(...) os agricultores, <strong>na</strong> sua<br />
maioria, se caracterizam pela condição de pobreza.” Questio<strong>na</strong><strong>do</strong> sobre o que entendia<br />
por agricultores familiares tradicio<strong>na</strong>is, respondeu: “(...) os que as lavouras são<br />
peque<strong>na</strong>s (...) planta milho e feijão. O milho para alimentar os animais e o feijão para o<br />
gasto da família, mas também vende um pouquinho.” 261 Declaração que expressa<br />
condição de pobreza, mas também parece ass<strong>em</strong>elhar-se à definição de agricultura<br />
tradicio<strong>na</strong>l de Mellor (1966) apud Galbraith (1979, p. 66): “Uma agricultura tradicio<strong>na</strong>l<br />
tende a ser <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>da por uma atitude que põe ênfase <strong>na</strong> sobrevivência e manutenção<br />
das condições, ao invés <strong>do</strong> seu progresso e aperfeiçoamento.” Para o autor, o risco<br />
liga<strong>do</strong> à inovação e à possibilidade de um resulta<strong>do</strong> frustra<strong>do</strong> por erro <strong>na</strong> inovação<br />
estimulam essa atitude. 262<br />
O mo<strong>do</strong> de vida atual <strong>do</strong>s agricultores <strong>do</strong> Rincão <strong>do</strong>s Marques reflete<br />
experiências e comportamentos herda<strong>do</strong>s <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, pelos relatos e pelas condições de<br />
vida, marcas estão presentes <strong>na</strong> psique das pessoas. A cautela quanto a conseqüências<br />
negativas de uma mudança <strong>na</strong> forma de promover a reprodução da família pode ser<br />
interpretada, tanto pela sociedade inter<strong>na</strong> como exter<strong>na</strong> à localidade, como<br />
comportamento de acomodação. Perguntamos ao senhor Plínio (67 anos), agricultor no<br />
Rincão <strong>do</strong>s Marques, sobre os motivos de os agricultores plantar<strong>em</strong>, durante anos,<br />
milho e feijão e de não ter incorpora<strong>do</strong> nenhum novo produto, a resposta foi a seguinte:<br />
“Nesse senti<strong>do</strong> é acomoda<strong>do</strong>! Acho que têm é me<strong>do</strong> <strong>do</strong>s fi<strong>na</strong>nciamento, se vai fi<strong>na</strong>nciar<br />
para plantar o cara termi<strong>na</strong>, se t<strong>em</strong> uma propriedade termi<strong>na</strong> dan<strong>do</strong> ela para o município<br />
ou para o esta<strong>do</strong>, o que seja (...).” Questio<strong>na</strong><strong>do</strong> sobre a mesma questão o senhor<br />
Arlin<strong>do</strong>, 263 residente <strong>na</strong> cidade de Canguçu, responde: “As pessoas, devi<strong>do</strong> à orig<strong>em</strong>,<br />
não d<strong>em</strong>onstram muita iniciativa e parece que bastante acomodação <strong>em</strong> desenvolver<strong>em</strong>.<br />
(...) Então t<strong>em</strong> esse perfil de pessoas mais acomodadas.”<br />
A acomodação da sociedade <strong>do</strong> Rincão <strong>do</strong>s Marques, se assim pod<strong>em</strong>os dizer,<br />
alcançou estágio crítico, a mudança ou transformação das condições econômicas e<br />
sociais, para esta sociedade, parece impossível. Prefere a resig<strong>na</strong>ção ao fracasso, como,<br />
por ex<strong>em</strong>plo, no depoimento <strong>do</strong> senhor Nelson (59 anos): “A gente como é pobre, como<br />
diz o outro, se conforma com a pobreza, não pensa <strong>em</strong> melhorar muita coisa a não ser<br />
<strong>em</strong> a gente poder produzir e vender as coisas que produz e fazer dinheiro para<br />
sobreviver.” As pessoas <strong>do</strong> Rincão <strong>do</strong>s Marques, com exceções, julgam-se incapazes<br />
para lutar pela transformação econômica e social da sociedade local, estão desmotivadas<br />
e conformadas. Segun<strong>do</strong> elas, a saída está <strong>na</strong> intervenção direta <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, promoven<strong>do</strong><br />
mudanças <strong>em</strong> diversos aspectos. Deixam transparecer a angústia pela necessidade de um<br />
tutor para guiá-las para fora <strong>do</strong> círculo vicioso <strong>em</strong> que estão presas.<br />
261 Alfre<strong>do</strong> (43), agricultor no Rincão <strong>do</strong>s Marques.<br />
262 Os entrevista<strong>do</strong>s, s<strong>em</strong> exceção, identificam-se como agricultores, mesmo quan<strong>do</strong> o rebanho de ga<strong>do</strong> é<br />
relativamente significativo. De alguma forma obscurec<strong>em</strong> a face pecuarista. A pecuária, mesmo peque<strong>na</strong>,<br />
corresponde a um capital <strong>em</strong> animais (cria, recria, venda de bezerros, etc.), utiliza<strong>do</strong> para enfrentamento<br />
de dificuldades ou realizações de projetos diversos, familiares e produtivos. Uma questão que parece<br />
instigante, para estu<strong>do</strong>s futuros, é tentar compreender a lógica e o lugar da agricultura <strong>na</strong> pecuária<br />
familiar.<br />
263 Representante <strong>do</strong> poder municipal.<br />
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