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No hom<strong>em</strong> cordial, a vida <strong>em</strong> sociedade é, de certo mo<strong>do</strong>, uma verdadeira<br />
libertação <strong>do</strong> pavor que ele sente <strong>em</strong> viver consigo mesmo, <strong>em</strong> apoiar-se sobre si<br />
próprio <strong>em</strong> todas as circunstâncias da existência. Sua maneira de expansão para<br />
com os outros reduz o indivíduo, cada vez mais, à parcela social, periférica, que<br />
no brasileiro – como bom americano – tende a ser a que mais importa. Ela é antes<br />
um viver nos outros. Foi a esse tipo humano que se dirigiu Nietzsche, quan<strong>do</strong><br />
disse: Vosso mau amor de vós mesmos vos faz <strong>do</strong> isolamento um cativeiro.<br />
Esse isolamento, esse cativeiro, é algo insuportável e, para o próprio indivíduo,<br />
parece perceptível aos outros; recorr<strong>em</strong>os a Elias (1999, p. 129), apesar de suas críticas<br />
à concepção <strong>do</strong> homo clausus, para clarear essa questão:<br />
Somos leva<strong>do</strong>s a acreditar que o nosso eu existe de certo mo<strong>do</strong> dentro de nós; e<br />
que há uma barreira invisível separan<strong>do</strong> <strong>aqui</strong>lo que está dentro d<strong>aqui</strong>lo que está<br />
fora – o chama<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exterior. Aqueles que tomam consciência de si próprios<br />
deste mo<strong>do</strong> – como uma espécie de caixa fechada, como um homo clausus –<br />
pensam que isto é imediatamente evidente.<br />
Se o nosso mun<strong>do</strong> interior pode ser visto pelos outros, e se ele não é o que<br />
gostaríamos que os viss<strong>em</strong> <strong>em</strong> nós, tratamos de camuflá-lo, optan<strong>do</strong> por atitudes<br />
dissimuladas, expressan<strong>do</strong> algo que não somos, como uma atitude de defesa. Aí poderia<br />
estar o cerne da explicação sobre o comportamento <strong>do</strong> gaúcho – o que motiva essa<br />
perso<strong>na</strong>lidade expansiva, jovial e alegre que os estudiosos destacam no gaúcho? Um<br />
contraste com a solidão <strong>do</strong> pampa, sentimento que pode habitar o mun<strong>do</strong> interior <strong>do</strong><br />
gaúcho. Conforme Holanda (1995, p. 147):<br />
Nossa forma ordinária de convívio social é, no fun<strong>do</strong>, justamente o contrário da<br />
polidez. Ela pode iludir <strong>na</strong> aparência – e isso se explica pelo fato de a atitude<br />
polida consistir precisamente <strong>em</strong> uma espécie de mímica deliberada de<br />
manifestações que são espontâneas no hom<strong>em</strong> cordial: é a forma <strong>na</strong>tural e viva<br />
que se converteu <strong>em</strong> fórmula. Além disso a polidez é, de algum mo<strong>do</strong>,<br />
organização de defesa ante a sociedade. Detém-se <strong>na</strong> parte exterior, epidérmica<br />
<strong>do</strong> indivíduo, poden<strong>do</strong> mesmo servir, quan<strong>do</strong> necessário, de peça de resistência.<br />
Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar intactas sua<br />
sensibilidade e suas <strong>em</strong>oções. (...) Arma<strong>do</strong> dessa máscara, o indivíduo consegue<br />
manter sua supr<strong>em</strong>acia ante o social.<br />
A cordialidade, a hospitalidade e a alegria <strong>do</strong> gaúcho parec<strong>em</strong> contrastar com a<br />
região, com o isolamento, com a solidão, características comuns para descrever a<br />
Campanha. Para este contraste têm-se duas correntes que explicam o comportamento<br />
humano (<strong>do</strong> gaúcho) descrito <strong>na</strong> história rio-grandense. A primeira busca resposta <strong>na</strong><br />
atividade que o grupo social, <strong>em</strong> questão, desenvolve, conferin<strong>do</strong> a essa atividade e ao<br />
principal instrumento de trabalho – o cavalo – a capacidade de interferir no mo<strong>do</strong> de ser<br />
das pessoas, corrente representada por Vian<strong>na</strong>. A segunda recorre à psicologia para<br />
<strong>em</strong>basar sua posição, constrói sua argumentação, sobre o comportamento, <strong>na</strong> negação a<br />
características auto-reconhecidas como depreciativas – diríamos: desprezo pela própria<br />
essência – identificada <strong>em</strong> Holanda.<br />
Retoman<strong>do</strong> a discussão sobre sociabilidade, é oportuno trazer algumas<br />
informações das etnias que chegaram ao Rio Grande <strong>do</strong> Sul no século XIX, al<strong>em</strong>ã<br />
(1824) e a italia<strong>na</strong> (1875). Manfroi (1975, p. 123) destaca que “(...) as colônias<br />
européias <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul viveram, durante muito t<strong>em</strong>po, isoladas <strong>do</strong> País <strong>do</strong>s<br />
Gaúchos.” Observa-se que o autor considerava cada grupo étnico como uma unidade<br />
separada, não só pela raça, mas também geograficamente. Na utilização da palavra país<br />
subentende-se a existência de um espaço geográfico ocupa<strong>do</strong> por uma sociedade<br />
específica, também supõe que, para o autor, há uma outra sociedade <strong>em</strong> oposição. Com<br />
certo senti<strong>do</strong> segregacionista quan<strong>do</strong> se refere à região da Campanha como País <strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong>is, o que Elias não compactua, para ele, grosso mo<strong>do</strong>, indivíduo e sociedade estão intimamente liga<strong>do</strong>s,<br />
portanto inseparáveis.<br />
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