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Marques pressente por parte <strong>do</strong> poder público e de outros segmentos da sociedade.<br />
Carência por atenção leva a declarações como: “(...) não somos importantes para os<br />
outros!” 329 Gostariam de ser valoriza<strong>do</strong>s, mas o descaso <strong>do</strong> poder público contribui com<br />
o desestímulo à motivação para desejar uma mudança das circunstâncias. 330<br />
No decorrer <strong>do</strong> trabalho, destacou-se o sentimento de solidão motiva<strong>do</strong> pela<br />
região, pelos campos e pelo relevo suave e monótono das coxilhas, que povoava os<br />
pensamentos <strong>do</strong> gaúcho primitivo. 331 As <strong>na</strong>rrativas coletadas falam da solidão e <strong>do</strong><br />
isolamento, sentimento que passa a me<strong>do</strong>, 332 principalmente quan<strong>do</strong> o pensamento voa<br />
ou não há nenhuma atividade a realizar, restan<strong>do</strong> o silêncio. 333 A ocupação, o trabalho<br />
<strong>na</strong> lavoura, não é simplesmente a subsistência da família, mas uma companhia, uma<br />
terapia, para espantar os pensamentos ruins. 334 Frustração, humilhação e opressão,<br />
relacio<strong>na</strong>das à condição de vida, influenciam o esta<strong>do</strong> de espírito das pessoas, <strong>na</strong> forma<br />
de enfrentar o presente e o futuro, interferin<strong>do</strong> negativamente <strong>na</strong> auto-estima. A<br />
ausência <strong>do</strong> poder público pode si<strong>na</strong>lizar restrição ao acesso a serviços e a cidadania, 335<br />
s<strong>em</strong> alguém (Esta<strong>do</strong>) para zelar pelo b<strong>em</strong>-estar da sociedade, 336 representa, de certo<br />
mo<strong>do</strong>, desprezo, acentuan<strong>do</strong> a autopercepção de inferioridade huma<strong>na</strong> assim como de<br />
isolamento. Transformações foram tantas <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> colonial para o atual, mas a solidão<br />
<strong>do</strong>s destituí<strong>do</strong>s parece continuar a mesma.<br />
Por um la<strong>do</strong>, questões que reflet<strong>em</strong> <strong>na</strong> auto-estima, produzin<strong>do</strong> a humildade<br />
negativa, o auto-reconhecimento da incapacidade (inexiste) – autodesvalorização. Um<br />
ex<strong>em</strong>plo; ao pedirmos a opinião <strong>do</strong> senhor Quirino (69 anos), agricultor, sobre<br />
determi<strong>na</strong><strong>do</strong> assunto, ele responde <strong>em</strong> tom baixo e pausadamente: “(...) vamos dizer que<br />
eu tenho pouco alcance para dar uma orientação, t<strong>em</strong> pessoas que t<strong>em</strong> mais alcance,<br />
mais m<strong>em</strong>ória, mais estu<strong>do</strong>. Eu não tenho estu<strong>do</strong>! Então vamos dizer que eu tenho<br />
pouco alcance para dizer o que falta.” 337 Este comportamento não foi único, outras<br />
pessoas, ao fi<strong>na</strong>l da entrevista, pediam desculpas pela qualidade <strong>do</strong>s depoimentos,<br />
responsabilizan<strong>do</strong> tal fato à pouca instrução (a<strong>na</strong>lfabetismo). 338 Por outro la<strong>do</strong>, a<br />
imag<strong>em</strong> de to<strong>do</strong>s como inferiores é ao mesmo t<strong>em</strong>po negada quan<strong>do</strong> uma dessas<br />
pessoas vista como inferiores fala de si. Refere-se a eles (os outros ti<strong>do</strong>s como<br />
inferiores) cujas qualidades inferiores não serv<strong>em</strong> para qualificar a si mesmo. Esse eles<br />
geralmente é vago e no discurso é também uma concessão à verdade <strong>do</strong> discurso<br />
heg<strong>em</strong>ônico e da imag<strong>em</strong> presente no imaginário social, que ele espera ser a de seu<br />
interlocutor, <strong>na</strong> conversa.<br />
329<br />
Alfre<strong>do</strong> (43 anos), agricultor no Rincão <strong>do</strong>s Marques.<br />
330<br />
Os outros (por ex<strong>em</strong>plo, agroindústria) só os valorizam como parte componente das buscas <strong>do</strong>s seus<br />
interesses de acumulação; aban<strong>do</strong><strong>na</strong>n<strong>do</strong>-os s<strong>em</strong> mais quan<strong>do</strong> mudam suas estratégias de competição e de<br />
acumulação.<br />
331<br />
Ressaltamos que o sentimento de solidão não é só geográfico, é socialmente produzi<strong>do</strong>, <strong>na</strong> mesma<br />
produção social que produz o ser huma<strong>na</strong>mente inferior.<br />
332<br />
Nas entrevistas observamos que a palavra me<strong>do</strong> só era <strong>em</strong>pregada pelas mulheres e <strong>em</strong> conversas<br />
individuais ou quan<strong>do</strong> os questio<strong>na</strong>mentos passavam a figurar mero bate-papo.<br />
333<br />
Pode-se interpretar essa solidão como falta de confiança nos outros.<br />
334<br />
Nas décadas passadas, Canguçu tinha eleva<strong>do</strong> índice de suicídio no meio rural. A solidão e as<br />
condições de vida pod<strong>em</strong> estar entre os motiva<strong>do</strong>res.<br />
335<br />
Conforme Sen (2000).<br />
336<br />
Nas entrelinhas <strong>do</strong>s depoimentos, a angústia pela falta de tutor, de guia, de alguém para proteger e<br />
mostrar o caminho a seguir.<br />
337<br />
Este fragmento de diálogo pode parecer evasivo, mas tanto nesta como <strong>em</strong> outras entrevistas esse tipo<br />
de resposta era comum, s<strong>em</strong>pre no fi<strong>na</strong>l da entrevista, justifican<strong>do</strong> a qualificação educacio<strong>na</strong>l como um<br />
aspecto negativo para a desenvoltura <strong>do</strong> entrevista<strong>do</strong>(a).<br />
338<br />
As entrevistas eram muito boas, detalhadas, as pouco produtivas ou menos pormenorizadas foram mais<br />
freqüentes com pessoas com melhor grau de instrução (descaso).<br />
132