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Mas como afirma Thompson (1998, p. 208), “(...) as evidências são contraditórias e<br />
difíceis de interpretar”, referin<strong>do</strong>-se ao comportamento das pessoas diante da fome. 360<br />
Para Bertrand (1973, p. 376), acomodação, como meio de evitar o conflito,<br />
consiste <strong>em</strong> qualquer alteração, consciente ou inconsciente, de relações entre pessoas ou<br />
grupos de forma a evitar, reduzir ou elimi<strong>na</strong>r o conflito. “Acomodação, como processo,<br />
se aplica <strong>integra</strong>lmente aos ajustamentos que evitam ou minimizam o conflito b<strong>em</strong><br />
como aqueles que extingu<strong>em</strong> conflitos existentes.” A sociedade <strong>do</strong> Rincão <strong>do</strong>s Marques<br />
possivelmente evita os conflitos extinguin<strong>do</strong> ou negligencian<strong>do</strong> as possíveis<br />
articulações que, de alguma forma, poderiam produzir atritos internos e externos. Nas<br />
entrevistas, quan<strong>do</strong> tratamos da união das pessoas para alguma reivindicação, os<br />
depoimentos, por vezes, retratam formas de escape, de descomprometimento, com as<br />
causas comuns à localidade. No depoimento da senhora Lúcia, observamos, <strong>na</strong>s<br />
entrelinhas, que, ao si<strong>na</strong>l de confronto entre pessoas da própria localidade ou com<br />
exter<strong>na</strong>s (poder público), os movimentos de desarticulação individuais e de grupo<br />
iniciam-se.<br />
(...) a gente até t<strong>em</strong> <strong>na</strong> comunidade um grupo de agricultores, só que isso não vai<br />
para frente. Não funcio<strong>na</strong>! (...) E eu acho que essa associação de agricultores seria<br />
uma coisa boa. Eles se unir<strong>em</strong>, procurar<strong>em</strong> uma cooperativa, procurar<strong>em</strong> o<br />
sindicato. Isso não acontece! A maioria começa muito b<strong>em</strong>, muito incentiva<strong>do</strong>,<br />
mas logo, logo desanima. 361<br />
Desanima, forma de expressar o desinteresse <strong>em</strong> dar prosseguimento às<br />
reivindicações que a sociedade local impõe à associação, as reivindicações pod<strong>em</strong> trazer<br />
disputas de interesses internos, uns defend<strong>em</strong> uma posição outros outra, ou a cobrança<br />
junto ao poder público pode render desentendimentos e, como destacamos<br />
anteriormente referencian<strong>do</strong> Thompson, indispor os gover<strong>na</strong>ntes. Nas reuniões da<br />
sociedade local, pouco participativa, as pessoas debat<strong>em</strong> sobre os probl<strong>em</strong>as, mas no<br />
momento <strong>em</strong> que há divergências de idéias uma das partes desiste. Segun<strong>do</strong> o senhor<br />
Miguel (59 anos), agricultor no Rincão <strong>do</strong>s Marques: “Aceitar a idéia <strong>do</strong>s outros é<br />
difícil <strong>aqui</strong>! (...) um agricultor estava <strong>na</strong> reunião e deu a sua proposta, como não foi<br />
aceita de primeiro, ele pegou e saiu no meio da reunião.” Este comportamento, de fuga,<br />
descrito pelo agricultor pode ser interpreta<strong>do</strong> como uma forma de evitar, reduzir ou<br />
elimi<strong>na</strong>r o conflito. 362 Comportamentos dessa <strong>na</strong>tureza não ajudam a organização<br />
efetiva para as lutas de interesse coletivo, e a falta de um grupo (associação) estrutura<strong>do</strong><br />
e participativo pode não deixar outra alter<strong>na</strong>tiva à sociedade que não seja a resig<strong>na</strong>ção.<br />
Como Leo<strong>na</strong>rd e Clifford (1971, p. 122) apontam, o desenvolvimento da<br />
perso<strong>na</strong>lidade depende <strong>do</strong> processo de comunicação e a <strong>na</strong>tureza, deste, condicio<strong>na</strong>, <strong>em</strong><br />
parte, a estrutura da perso<strong>na</strong>lidade. Para compreender a perso<strong>na</strong>lidade de uma sociedade<br />
é importante entender os antecedentes sociais e culturais desta. A sociedade de hoje é<br />
fruto de um processo que passou pela sociedade de ont<strong>em</strong>, incorporan<strong>do</strong> novos<br />
el<strong>em</strong>entos, e é essa sociedade mutante que está presente <strong>na</strong> formação de valores, lógicas<br />
360 Thompson (1998, p. 20-21), <strong>na</strong> introdução de sua obra, dialoga com Gramsci sobre a questão da<br />
“filosofia espontânea”. Adiante discute a questão das “duas consciências teóricas” derivadas de <strong>do</strong>is<br />
aspectos da mesma realidade: a) “a conformidade com o status quo, necessária para a sobrevivência, a<br />
necessidade de seguir a orde<strong>na</strong>ção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e de jogar de acor<strong>do</strong> com as regras (...)”; b) “o senso<br />
comum, deriva<strong>do</strong> da experiência de exploração, dificuldades e repressão compartilhada com os<br />
companheiros de trabalho e os vizinhos (...).” Dois aspectos que poderiam ser explora<strong>do</strong>s para tentarmos<br />
interpretar o comportamento <strong>do</strong>s pobres diante das dificuldades como, por ex<strong>em</strong>plo, o descrito por<br />
Galbraith (1979, p. 64-65): “Os que tinham mais necessidade de ajuda conservavam obsti<strong>na</strong>damente os<br />
seus méto<strong>do</strong>s habituais de cultura agrícola ou faziam modificações muito lentas, (...).”<br />
361 Representante <strong>do</strong> poder municipal residente <strong>na</strong> localidade <strong>do</strong> Rincão <strong>do</strong>s Marques.<br />
362 Conforme Bertrand (1973). Pod<strong>em</strong>os também interpretá-lo como desconfiança ou reconhecimento de<br />
que a idéia <strong>do</strong>s outros não se encaixa as suas condições e visão de mun<strong>do</strong>.<br />
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