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de caça, utiliza<strong>do</strong> para levantar ou localizar a presa, era valoriza<strong>do</strong> e comercializa<strong>do</strong> por<br />

valores expressivos, conforme a qualidade <strong>do</strong> cachorro. 302 As caçadas podiam durar<br />

dias. Acampa<strong>do</strong>s no meio <strong>do</strong> mato, os agricultores passavam <strong>em</strong> confraternização,<br />

comen<strong>do</strong> e beben<strong>do</strong>, esse era um <strong>do</strong>s seus lazeres. Entretanto, a caça também<br />

des<strong>em</strong>penhava papel importante <strong>na</strong> subsistência <strong>do</strong>s mais humildes: a carne, como<br />

alimento e o couro, como renda. Essas caçadas eram solitárias, somente o caça<strong>do</strong>r e seu<br />

cão, a alegria e o prazer eram substituí<strong>do</strong>s pela angústia e a necessidade de garantir a<br />

subsistência da família. A caçada, como lazer ou até como forma de subsistência, era<br />

momento de revisitar as raízes aventureiras, da conquista fácil, de colher o fruto s<strong>em</strong><br />

plantar a árvore. 303<br />

Com o rápi<strong>do</strong> esvaziamento <strong>na</strong> década de 1980, principalmente com a saída <strong>do</strong>s<br />

jovens, a localidade perdeu parte da vitalidade, as reuniões sociais foram reduzin<strong>do</strong><br />

como, por ex<strong>em</strong>plo, os jogos de futebol. O senhor Humberto (40 anos), agricultor, deixa<br />

claro o que há de lazer <strong>na</strong> localidade: “Aqui t<strong>em</strong> pouca coisa para se divertir, um rodeio<br />

de vez <strong>em</strong> quan<strong>do</strong>. Futebol quase não t<strong>em</strong>, jogo de bocha também não t<strong>em</strong>.<br />

Divertimento não t<strong>em</strong>, é pouco!” As opções são os encontros periódicos realiza<strong>do</strong>s por<br />

um pequeno salão de baile da localidade e a duas reuniões <strong>na</strong> escola, a festa juni<strong>na</strong> e o<br />

café colonial no fi<strong>na</strong>l de ano, restringin<strong>do</strong> as possibilidades de sociabilidade.<br />

Outra alter<strong>na</strong>tiva para aproximar a sociedade local e acentuar o espírito de<br />

comunidade estaria <strong>na</strong> religião, mas essa é uma questão probl<strong>em</strong>ática. O probl<strong>em</strong>a da<br />

religião <strong>na</strong> localidade fica evidente <strong>na</strong> declaração, <strong>em</strong> tom firme e altivo, 304 <strong>do</strong> senhor<br />

Inácio (71 anos): “O povo d<strong>aqui</strong> <strong>do</strong> Rincão <strong>do</strong>s Marques não dá muita bola para<br />

religião, nunca deu! N<strong>em</strong> <strong>na</strong> época que eu era criança.” 305 O senhor Plínio (67 anos),<br />

que aju<strong>do</strong>u <strong>na</strong> construção da igreja, d<strong>em</strong>onstran<strong>do</strong> tristeza e frustração, compl<strong>em</strong>enta:<br />

“Acho que o povo, (...) o povo mesmo que não gosta de religião. Não sei por que? Não<br />

quer perder um t<strong>em</strong>po.” 306 A participação <strong>na</strong>s reuniões (uma missa por mês) reflete as<br />

afirmações acima, os encontros <strong>na</strong> igreja são compartilha<strong>do</strong>s por poucas pessoas, que<br />

ocupam duas ou três fileiras de bancos. Na discussão de Goulart (1985, p. 13), a<br />

religiosidade <strong>do</strong> gaúcho está sob influência da geografia, <strong>na</strong> qual a motivação e a ação<br />

intencio<strong>na</strong>l da subjetividade huma<strong>na</strong> são atribuídas à realidade objetiva: “A religião é<br />

outro ex<strong>em</strong>plo esclarece<strong>do</strong>r: a <strong>na</strong>tureza da terra, s<strong>em</strong> comunicações, insulada, propendia<br />

para a diminuição <strong>do</strong> sentimento religioso ou para a criação de uma religião espontânea,<br />

simples, <strong>na</strong>turista, mero animismo pastoril.” A religiosidade <strong>do</strong> gaúcho, no isolamento<br />

<strong>do</strong>s campos, pode tomar formas distintas da prática costumeira (católica), crian<strong>do</strong><br />

relações com outras divindades <strong>do</strong> imaginário.<br />

Nas conversas, observamos duas questões que pod<strong>em</strong> ajudar a explicar a<br />

desmotivação da sociedade local <strong>em</strong> relação à crença religiosa. A primeira diz respeito à<br />

cobrança de uma taxa mensal para manutenção da igreja (R$ 1,00 ou R$ 2,00 por mês),<br />

boa parte da sociedade local não concorda com esse pagamento por se tratar de entidade<br />

religiosa, e também não vê<strong>em</strong> contrapartida da igreja para a sociedade <strong>do</strong> Rincão <strong>do</strong>s<br />

Marques. Nas entrevistas, quan<strong>do</strong> discut<strong>em</strong> o probl<strong>em</strong>a da igreja, há a sombra <strong>do</strong><br />

individualismo e <strong>do</strong> apego ao material, ao monetário, mas também não esquecer que<br />

uma das características <strong>do</strong> gaúcho primitivo era a ausência de crenças ou uma outra<br />

religiosidade distinta da heg<strong>em</strong>ônica. Nas entrelinhas <strong>do</strong>s depoimentos, <strong>na</strong> sutileza, há<br />

um descompasso entre o que prega a <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> católica e a forma de pensar da população<br />

302<br />

Bento (2000, p. 160) relata um causo sobre o valor de um cão caça<strong>do</strong>r de um humilde lavra<strong>do</strong>r.<br />

303<br />

Conforme Holanda (1995).<br />

304<br />

Domi<strong>na</strong><strong>do</strong> pela arrogância e pela soberba.<br />

305<br />

Agricultor no Rincão <strong>do</strong>s Marques.<br />

306<br />

Agricultor no Rincão <strong>do</strong>s Marques.<br />

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