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verdade: eu fui um hom<strong>em</strong> que comeu inhame cozi<strong>do</strong>. O senhor conhece inhame?<br />

Então a falecida minha mãe saía pelas sanga arrancá cabeça de inhame pra<br />

cozinhá pra nós come. À vida era difícil, barbaridade!<br />

Após algumas indagações entre a população local, a justificativa pela omissão<br />

<strong>do</strong> consumo <strong>do</strong> inhame recaía sobre as condições <strong>em</strong> que era <strong>em</strong>prega<strong>do</strong> <strong>na</strong> alimentação<br />

e pela sua condição de planta <strong>na</strong>tiva, identifican<strong>do</strong>-o como algo primitivo, não<br />

<strong>do</strong>mestica<strong>do</strong>, não cultiva<strong>do</strong>. Alimento de animais, as pessoas que consumiss<strong>em</strong> o<br />

inhame poderiam ser identificadas como seres humanos menos desenvolvi<strong>do</strong>s. Talvez<br />

tenha-se aí marcas psicológicas de estigmas imputa<strong>do</strong>s à sociedade de Rincão <strong>do</strong>s Maia,<br />

também liga<strong>do</strong>s a senti<strong>do</strong>s de subdesenvolvimento humano, inciviliza<strong>do</strong>s. Admitir o<br />

consumo de inhame seria, para a própria sociedade, admitir sua condição de<br />

inferioridade enquanto seres humanos. 421 De certa forma, contribuin<strong>do</strong> para a<br />

materialização, <strong>na</strong> imagi<strong>na</strong>ção, das crenças <strong>do</strong>s estabeleci<strong>do</strong>s a respeito <strong>do</strong>s “outsiders”,<br />

das configurações a<strong>na</strong>líticas de Elias e Scotson (2000). A introdução <strong>do</strong> inhame <strong>na</strong> dieta<br />

alimentar, s<strong>em</strong> omiti-la, representaria, no imaginário da sociedade <strong>do</strong> Rincão <strong>do</strong>s Maia,<br />

a incorporação (materialização) de seres inciviliza<strong>do</strong>s, o que era imputa<strong>do</strong> pela<br />

sociedade exter<strong>na</strong>.<br />

Hoje as famílias têm uma dieta alimentar diversificada, além <strong>do</strong>s itens<br />

relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s acima, incorporaram a ingestão de legumes e verduras, cultiva<strong>do</strong>s ou<br />

adquiri<strong>do</strong>s <strong>na</strong> cidade ou de comerciantes ambulantes. Anos atrás a população não tinha<br />

o hábito de cultivar hortaliças, com exceção das famílias de orig<strong>em</strong> italia<strong>na</strong> e algumas<br />

outras. Mudanças visíveis <strong>na</strong> cultura alimentar, quan<strong>do</strong> perguntamos o que comiam e o<br />

que com<strong>em</strong>:<br />

Feijão, batata e pão, arroz era freqüente, mas não tinha s<strong>em</strong>pre porque tinha que<br />

comprar. Carne era de longe <strong>em</strong> longe, quan<strong>do</strong> se carneava. Ah, e o grude feito de<br />

farinha de milho com couve ou mostardão. Angu com leite, quan<strong>do</strong> se tinha leite<br />

porque não era muito. (...) Antigamente eu não tinha horta, agora eu tenho. E aí a<br />

gente se aproxima, fala com um médico, fala com um técnico, porque horta é<br />

saúde. Primeiramente eu pensava que saúde era comer carne, ovo, pão e arroz,<br />

isso é puro enchimento! (...) Hoje, se for por comida eu tava pesan<strong>do</strong> mais de 200<br />

quilos! 422<br />

Além da mudança no hábito alimentar, outras foram percebidas pela sociedade<br />

local e exter<strong>na</strong>, principalmente as relacio<strong>na</strong>das à vida social. Há vinte ou trinta anos as<br />

atividades sociais resumiam-se a algumas reuniões, confraternizações, <strong>na</strong> casa das<br />

pessoas, denomi<strong>na</strong><strong>do</strong>s de bailes de ramada ou de rancho, partidas de futebol e caçadas<br />

de lebre, esta última para lazer e alimentação. Em épocas passadas, a preocupação com<br />

a questão fi<strong>na</strong>nceira era menor, o principal era garantir a alimentação, possibilitan<strong>do</strong><br />

maior t<strong>em</strong>po livre para as famílias visitar<strong>em</strong> umas as outras. Um <strong>do</strong>s acontecimentos<br />

sociais comuns era a reunião de famílias <strong>em</strong> uma das casas, acompanhada, às vezes, por<br />

ape<strong>na</strong>s uma gaita – bailes de ramada ou de rancho. O local era a casa de uma família<br />

(baile de rancho), sob ramos de uma trepadeira ou sob uma lo<strong>na</strong> estendida (baile de<br />

ramada), contratavam um gaiteiro e compravam biscoitos (bolacha), lata de graxa e<br />

café, esporadicamente carne de porco assada. Em alguns momentos uma breve pausa<br />

para descansar e se alimentar, mas logo retor<strong>na</strong>vam e só paravam no raiar <strong>do</strong> dia. 423<br />

Essas reuniões de vizinhos foram termi<strong>na</strong>n<strong>do</strong> com a <strong>integra</strong>ção da sociedade <strong>do</strong> Rincão<br />

<strong>do</strong>s Maia ao merca<strong>do</strong>, aumentan<strong>do</strong> as responsabilidades fi<strong>na</strong>nceiras e reduzin<strong>do</strong> a<br />

<strong>integra</strong>ção. Alguns relatam que essas festas eram agradáveis, mas outros destacam os<br />

inúmeros conflitos, as brigas, como o senhor Daniel (54 anos): “Antigamente faziam<br />

421<br />

Elias e Scotson (2000) destacam ex<strong>em</strong>plos de grupos “outsiders” que eram ti<strong>do</strong>s como quase<br />

inumanos.<br />

422<br />

Frederico (44 anos), agricultor no Rincão <strong>do</strong>s Maia.<br />

423<br />

Relatos pareci<strong>do</strong>s com as sere<strong>na</strong>tas descritas pela sociedade <strong>do</strong> Rincão <strong>do</strong>s Marques.<br />

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