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perso<strong>na</strong>lidade, entre outros, são destaca<strong>do</strong>s pelo senhor Carlos quan<strong>do</strong> questio<strong>na</strong>mos<br />
sobre pobreza <strong>na</strong> localidade <strong>do</strong> Rincão <strong>do</strong>s Maia:<br />
Hoje não dá mais pra dizer que Rincão <strong>do</strong>s Maia é uma localidade pobre, mas<br />
ainda há pobres <strong>na</strong> localidade, entorno de 15 a 20%. Não pobres de um tu<strong>do</strong>, mas<br />
de uma classe mais baixa. (...) É difícil te dizer, eu não sei se é pelo próprio jeito<br />
deles ser<strong>em</strong>, ou de estu<strong>do</strong> que tiveram. Naquela época não tiveram um grau de<br />
estu<strong>do</strong> acentua<strong>do</strong>. Eu não diria que são a<strong>na</strong>lfabetos, mas próximos disso daí, essas<br />
pessoas que são mais atrasadas. (...) Eles são participativos, vão às festas, mas<br />
dentro da associação é que não. São meio recata<strong>do</strong>s, no caso. Não são excluí<strong>do</strong>s,<br />
são eles que não procuram. Outra coisa, a maioria desse pessoal que está mais<br />
atrasa<strong>do</strong> é o pessoal que trabalha de <strong>em</strong>prega<strong>do</strong>, porque a terra deles é pouca<br />
então planta aquele pouquinho e o restante <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po trabalha de diarista. 512<br />
No relato observamos algumas questões que estão ligadas à perso<strong>na</strong>lidade, à<br />
auto-imag<strong>em</strong>, que caracterizam um comportamento submisso, subjuga<strong>do</strong>, incorren<strong>do</strong> <strong>na</strong><br />
autodesvalorização como incapaz (ou desprezível) de contribuir para o processo de<br />
desenvolvimento. O a<strong>na</strong>lfabetismo e a condição econômica influenciam <strong>na</strong> construção<br />
da própria imag<strong>em</strong>, tanto para si como para os outros – jeito deles ser<strong>em</strong>; condicio<strong>na</strong>n<strong>do</strong><br />
a <strong>integra</strong>ção ao convívio social <strong>em</strong> ocasiões informais, como <strong>na</strong>s festividades, <strong>em</strong><br />
situações <strong>em</strong> que há possibilidade de ser<strong>em</strong> exigi<strong>do</strong>s como agentes colabora<strong>do</strong>res,<br />
recuam pelo receio de não corresponder<strong>em</strong> à expectativa <strong>do</strong>s d<strong>em</strong>ais. A posição social<br />
dentro da comunidade atua, de alguma forma, <strong>na</strong> psique das pessoas, a condição de<br />
produtor ou de trabalha<strong>do</strong>r (peão, diarista) determi<strong>na</strong>, <strong>em</strong> certa medida, o<br />
comportamento ativo ou passivo <strong>na</strong>s relações sociais. Nas conversas com as famílias,<br />
exami<strong>na</strong>mos comportamentos distintos frente ao entrevista<strong>do</strong>r, <strong>na</strong> atitude e <strong>na</strong> forma de<br />
expressar verbalmente, comportamento que, <strong>na</strong> nossa opinião, está relacio<strong>na</strong><strong>do</strong> com a<br />
condição econômica e com a <strong>integra</strong>ção <strong>na</strong> vida social da comunidade. 513 Os<br />
entrevista<strong>do</strong>s que dispunham de melhores condições econômicas (produtores), <strong>na</strong> nossa<br />
percepção, sob o ponto de vista material, comportavam-se com segurança, <strong>na</strong>turalidade<br />
nos gestos, e otimismo, convidan<strong>do</strong> para um diálogo de iguais e, <strong>em</strong> alguns casos,<br />
buscan<strong>do</strong> uma aproximação maior. Do outro la<strong>do</strong>, os que apresentavam condições<br />
inferiores aos primeiros, d<strong>em</strong>onstravam inicialmente desconforto ou insegurança, <strong>em</strong><br />
alguns momentos expressavam receio, comportamento submisso, mas que, no<br />
desenrolar da entrevista, incorporavam sentimentos de rancor, insatisfação, uma<br />
amargura à situação <strong>em</strong> que se encontravam. 514 O senhor Carlos nos si<strong>na</strong>liza essa<br />
distinção de perso<strong>na</strong>lidade que observamos no decorrer das entrevistas:<br />
Acho que há uma diferença de mentalidade, jeito de trabalhar. O pessoal aceita<br />
trabalhar <strong>em</strong> conjunto, mas t<strong>em</strong> uns que não aceitam a união, aquele tipo fecha<strong>do</strong>:<br />
‘eu vou trabalhar para mim e deu’, não t<strong>em</strong> essa de trabalhar para o conjunto.<br />
Hoje, no meu mo<strong>do</strong> de ver d<strong>aqui</strong> para frente, não vai mais se conseguir mais<br />
trabalhar se não for no coletivo. É associações, é cooperativas, é o único meio de<br />
se trabalhar.<br />
Por detrás das perso<strong>na</strong>lidades individualistas ou coletivas há el<strong>em</strong>entos <strong>do</strong><br />
passa<strong>do</strong> que ainda condicio<strong>na</strong>m o comportamento da sociedade <strong>do</strong> Rincão <strong>do</strong>s Maia.<br />
Retoman<strong>do</strong> a questão <strong>do</strong> estigma. Elias (1995) l<strong>em</strong>bra, ao a<strong>na</strong>lisar a vida de Wolfgang<br />
Amadeus Mozart, 515 que as pessoas <strong>na</strong> posição de outsiders sofr<strong>em</strong> com as humilhações<br />
512 Agricultor e representante da associação comunitária <strong>do</strong> Rincão <strong>do</strong>s Maia.<br />
513 Dentro <strong>do</strong> grupo familiar, no geral, o mari<strong>do</strong> assume o papel de líder, poden<strong>do</strong> dividir com um <strong>do</strong>s<br />
filhos homens; esse tipo de perso<strong>na</strong>lidade apresenta características, como, por ex<strong>em</strong>plo, a imposição de<br />
ordens, o tom autoritário <strong>em</strong> se expressar e a centralização das atenções <strong>do</strong>s d<strong>em</strong>ais m<strong>em</strong>bros.<br />
514 Os sentimentos que descrev<strong>em</strong>os como de rancor, insatisfação e amargura, foram observa<strong>do</strong>s <strong>em</strong><br />
poucos casos, talvez indican<strong>do</strong> uma disputa inter<strong>na</strong> (velada) <strong>na</strong> comunidade.<br />
515 No estu<strong>do</strong> sobre Mozart, Elias (1995) elabora um modelo teórico verificável da configuração que uma<br />
pessoa formava, <strong>em</strong> sua interdependência com outras figuras sociais <strong>do</strong> século XVIII.<br />
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