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dificuldades de comunicação, não apresentava diferenças marcantes <strong>em</strong> comparação à<br />
inter<strong>na</strong>, impedin<strong>do</strong> a produção de parâmetros de desenvolvimento muito distante <strong>do</strong><br />
experimenta<strong>do</strong>, restringin<strong>do</strong>, conseqüent<strong>em</strong>ente, a dimensão das aspirações. Nesse<br />
senti<strong>do</strong>, os limites estabeleci<strong>do</strong>s pela sociedade local para a distinção, assim como os<br />
campos, são restritos, dificultan<strong>do</strong> diferenciações marcantes entre indivíduos.<br />
A individualização, <strong>em</strong> parte, v<strong>em</strong> de herança cultural. Reportan<strong>do</strong> ao passa<strong>do</strong>,<br />
l<strong>em</strong>bramos da vida solitária <strong>do</strong>s gaúchos <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> colonial, de responsabilidades<br />
limitadas, s<strong>em</strong> grandes aspirações e conforma<strong>do</strong>s com a posição de subalternos. Nas<br />
estâncias, os pequenos grupos, clãs, autônomos, sob a ord<strong>em</strong> <strong>do</strong> estancieiro, os peões<br />
eram recruta<strong>do</strong>s para defender interesses alheios. 374 A estrutura social pouco valorizava<br />
a cooperação, a associação de indivíduos para o b<strong>em</strong> comum, salvo no perío<strong>do</strong> anterior<br />
ao cercamento <strong>do</strong>s campos, <strong>na</strong> captura <strong>do</strong> ga<strong>do</strong> xucro, e nos conflitos por território ou<br />
de interesse da classe <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte. Como salienta Vian<strong>na</strong> (1987), o gaúcho era solidário<br />
<strong>na</strong> guerra, <strong>em</strong> perío<strong>do</strong> de disputa armada; <strong>na</strong> paz, os laços de camaradag<strong>em</strong>,<br />
mutualidade e reciprocidade eram esvazia<strong>do</strong>s e os interesses individuais recupera<strong>do</strong>s.<br />
Para compreender a questão entre solidariedade e individualismo, Goulart (1985, p. 12)<br />
apresenta sua interpretação:<br />
A topografia estampada <strong>na</strong>s vastas extensões desertas de campanha era agente<br />
hostil à sociabilidade mas favorável ao individualismo. A força social,<br />
arregimentan<strong>do</strong> nossa gente contra as invasões castelha<strong>na</strong>s, tendia para a máxima<br />
sociabilidade. Conseqüência: o rio-grandense, s<strong>em</strong> ter a discipli<strong>na</strong> rude da<br />
caser<strong>na</strong>, apresenta, contu<strong>do</strong>, algo de sociabilidade e de individualismo.<br />
Nos antepassa<strong>do</strong>s das famílias <strong>do</strong> Rincão <strong>do</strong>s Marques figuram peões, herança<br />
de subserviência e individualismo, marcas de uma sociedade específica e, de certa<br />
forma, de uma classe específica. Heranças que ainda participam da estrutura da<br />
sociedade, <strong>do</strong>s valores e normas de comportamento que reg<strong>em</strong> e limitam as ações e<br />
aspirações <strong>do</strong>s indivíduos.<br />
Heranças de um passa<strong>do</strong> longínquo, experiências conhecidas e vivenciadas,<br />
entram no processo de trei<strong>na</strong>mento <strong>do</strong> indivíduo desde a infância. Alter<strong>na</strong>tivas de<br />
diferenciação, ten<strong>do</strong> <strong>em</strong> vista uma estrutura econômica, social e cultural, são restritas. A<br />
percepção da própria sociedade funcio<strong>na</strong> como mecanismo inibi<strong>do</strong>r, não vislumbra<br />
saída, ou as possibilidades de diferenciação estão associadas a eleva<strong>do</strong> risco. Há relação<br />
com o comportamento desig<strong>na</strong><strong>do</strong> como acomodação e resig<strong>na</strong>ção, discuti<strong>do</strong>s<br />
anteriormente; qualquer investida <strong>em</strong> direção a uma mudança pode acio<strong>na</strong>r a ira <strong>do</strong>s<br />
deuses ou a indisposição <strong>do</strong>s gover<strong>na</strong>ntes, conforme Thompson (1998), os únicos de<br />
qu<strong>em</strong> poderia vir alguma atitude de amparo. S<strong>em</strong> alter<strong>na</strong>tivas confiáveis, baixa autoestima,<br />
e s<strong>em</strong> o apoio ou coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> governo, instituição ou liderança reconhecida, a<br />
diferenciação passa a figurar no campo das idéias, opiniões, acentuan<strong>do</strong> divergências<br />
pessoais e o individualismo. Reporta-nos a forma figurada que Marx (1968, p. 133)<br />
utilizou para representar o campesi<strong>na</strong>to francês <strong>do</strong> século XIX – saco de batatas, <strong>na</strong><br />
medida <strong>em</strong> que existia ape<strong>na</strong>s ligação local e que a similitude <strong>do</strong>s interesses não criava<br />
entre eles espírito de comunidade n<strong>em</strong> organização política.<br />
Na sociedade de Rincão <strong>do</strong>s Marques, pod<strong>em</strong>os observar a tendência de redução<br />
da sociabilidade <strong>do</strong> grupo familiar, inspiran<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> pré-anômico, talvez pela situação<br />
de isolamento. Esta sugestão ganha força se relacio<strong>na</strong>da à de Candi<strong>do</strong> (2001, p. 277-<br />
278) quan<strong>do</strong> a<strong>na</strong>lisa a organização social <strong>na</strong> vida <strong>do</strong> caipira. Para o autor, situações<br />
como essa representam não ape<strong>na</strong>s a desorganização mais ou menos acentuada <strong>do</strong>s<br />
grupos vici<strong>na</strong>is, mas também uma regressão a tipos de sociabilidade incompatíveis com<br />
374 Goulart (1985) destaca que a solidariedade que se formava no interior das fazendas explica-se pela<br />
inexistência da peque<strong>na</strong> propriedade. Os s<strong>em</strong> terra viviam agrega<strong>do</strong>s aos estancieiros numa ligação<br />
amistosa. A nosso ver, era uma relação de favor, uma forma de solidariedade pouco espontânea.<br />
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