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São contribuições que destacamos para refi<strong>na</strong>r a comparação entre o aventureiro<br />
de Holanda (1995) e o peão (vaqueiro) de Vian<strong>na</strong> (1987a). 133 Tratam de el<strong>em</strong>entos<br />
comuns entre os <strong>do</strong>is tipos humanos, só <strong>em</strong> momentos distintos, mas consecutivo,<br />
liga<strong>do</strong>s diretamente. Estes tipos, aventureiro e peão, são el<strong>em</strong>entos indispensáveis <strong>do</strong><br />
processo histórico civiliza<strong>do</strong>r, suas participações nesse processo não são reconhecidas<br />
como atividades produtivas, não levam o “status” de trabalho. Carregam,<br />
freqüent<strong>em</strong>ente, estigmas que denigr<strong>em</strong> a imag<strong>em</strong>, suas participações produtivas são<br />
confundidas (ou imagi<strong>na</strong>das) com irresponsabilidade, imprevidência, vagabundag<strong>em</strong> e<br />
assim por diante, perceb<strong>em</strong>-las como atividades de lazer – divertimento, entretenimento,<br />
distração – conotação lúdica.<br />
O ser humano parece gostar de perceber o seu universo como algo dicotômico, o<br />
céu e o inferno, o b<strong>em</strong> e o mal, o mar e a terra, a direita e a esquerda, o trabalha<strong>do</strong>r e o<br />
vagabun<strong>do</strong> (aventureiro), etc. – talvez seja porque tenhamos ape<strong>na</strong>s <strong>do</strong>is olhos. Claro<br />
que estamos exageran<strong>do</strong>. Volt<strong>em</strong>os ao Rio Grande <strong>do</strong> Sul, o esta<strong>do</strong> é dividi<strong>do</strong> e<br />
conheci<strong>do</strong> pelas suas duas metades, a Sul e a Norte, a primeira de colonização<br />
portuguesa fort<strong>em</strong>ente miscige<strong>na</strong>da e a segunda de coloniza<strong>do</strong>res europeus<br />
(pre<strong>do</strong>minância de al<strong>em</strong>ães e italianos). A Metade Sul da aristocracia pecuarista<br />
(gaúcho estancieiro), das grandes propriedades de terra, <strong>do</strong> gaúcho peão, <strong>do</strong> vagabun<strong>do</strong><br />
e <strong>do</strong> preguiçoso; a Metade Norte da agricultura familiar colonial, das peque<strong>na</strong>s<br />
propriedades de terra, <strong>do</strong> colono, <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, <strong>do</strong> responsável. Não é difícil encontrar<br />
estu<strong>do</strong>s sobre a Metade Norte com títulos e subtítulos que traz<strong>em</strong> certa apologia à<br />
cultura européia, nesses a palavra trabalho aparece freqüent<strong>em</strong>ente para identificá-los<br />
como os trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Rio Grande, <strong>em</strong> contraposição aos habitantes da Metade<br />
Sul. 134<br />
Não estamos fazen<strong>do</strong> críticas, estamos apresentan<strong>do</strong> a nossa percepção sobre<br />
essa diferenciação que traz consigo forte conotação segregacionista. Essa segregação,<br />
distinção entre as duas regiões, levou, digamos, a conseqüências psicológicas. A<br />
população <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul incorporou a distinção entre as duas regiões e entre as<br />
raças características dessas regiões, e o mais grave, reportam a Metade Sul como região<br />
atrasada nos aspectos econômicos e sociais, conseqüência, segun<strong>do</strong> a opinião pública,<br />
da colonização portuguesa. Para ex<strong>em</strong>plificar traz<strong>em</strong>os um trecho <strong>do</strong> artigo intitula<strong>do</strong><br />
“Metade Sul e a Apologia da Miséria” de Milton Costa Ferreira (Diário Popular:<br />
23/05/2001):<br />
Diz<strong>em</strong> os estudiosos e mandatários - economistas, sociólogos, historia<strong>do</strong>res,<br />
políticos, <strong>em</strong>presários e banqueiros - que a Metade Sul <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> perdeu o bonde<br />
<strong>do</strong> desenvolvimento sustentável por três razões fundamentais: colonização<br />
portuguesa, atividade agropastoril extensiva e modelo político conserva<strong>do</strong>r. No<br />
entendimento <strong>do</strong>s a<strong>na</strong>listas e <strong>do</strong> poder capitalista que tu<strong>do</strong> pode e diz, o nosso<br />
descendente luso, fazendeiro e guardião da fronteira, é o grande vilão e<br />
responsável pelo <strong>em</strong>pobrecimento da região. 135<br />
Mas o efeito maior foi que o habitante da região sul incorporou parte dessas<br />
características pejorativas, produto das disputas de poder, resultan<strong>do</strong>, muitas vezes, <strong>em</strong><br />
baixa auto-estima. Recorr<strong>em</strong>os a Elias e Scotson (2000, p. 24) para entender um pouco<br />
dessa relação entre as duas metades, relação <strong>em</strong> que está <strong>em</strong> jogo o poder:<br />
133 Os autores não se refer<strong>em</strong> especificamente a região <strong>do</strong> extr<strong>em</strong>o-sul <strong>do</strong> Brasil, mas conhec<strong>em</strong> a história<br />
desta região e traz<strong>em</strong> el<strong>em</strong>entos dela para compor suas discussões.<br />
134 Qu<strong>em</strong> sabe pode-se relacio<strong>na</strong>r a uma ideologia heg<strong>em</strong>ônica justifica<strong>do</strong>ra da imigração.<br />
135 O autor sai <strong>em</strong> defesa <strong>do</strong> fazendeiro e guardião da fronteira, o que nos parece um discurso <strong>em</strong> favor<br />
da oligarquia regio<strong>na</strong>l, <strong>do</strong>s grandes proprietários de terra, relacio<strong>na</strong>n<strong>do</strong>, além de outras, com a função<br />
social de guardião da fronteira. Em algum senti<strong>do</strong>, preocupa<strong>do</strong> <strong>em</strong> elevar a imag<strong>em</strong> <strong>do</strong>s fazendeiros da<br />
Metade Sul. Os grupos sociais subalternos parec<strong>em</strong> ficar no esquecimento.<br />
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