este o seu prazer, este o seu gozo íntimo, esta a condição da sua tranqüilidade moral. O ter de conduzir-se por sua própria inspiração, o ter de deliberar por si mesmo, s<strong>em</strong> orientação estranha, s<strong>em</strong> sugestão de um superior reconheci<strong>do</strong> e aceito, constitui para ele uma grave e <strong>do</strong>lorosa preocupação, um motivo íntimo de angústia, de inquietação, de tortura interior. Dessa tortura moral só se liberta pon<strong>do</strong>-se às ordens de um chefe, e obedecen<strong>do</strong> mansamente à sua sugestão, ao seu império. É essa certeza íntima de que alguém pensa por ele e, no momento oportuno, lhe dará o santo e a senha de ação; é essa certeza íntima que o acalma, o assegura, o tranqüiliza, o refrigera. A presença de um tutor transmite confiança; a ausência, insegurança. Acostuma<strong>do</strong> a estar sob ordens superiores, seja <strong>na</strong> guerra ou no trabalho das arreadas ou das estâncias, o gaúcho peão sente-se seguro quanto ao futuro, sabe o que lhe espera, e t<strong>em</strong> no gaúcho estancieiro (patrão) a confiança <strong>do</strong> amparo. O trabalho de peão reduz a responsabilidade, retira o peso psicológico, talvez pense que a subordi<strong>na</strong>ção a outr<strong>em</strong> repasse, a este último, a responsabilidade que a princípio era sua (<strong>do</strong> peão). 154 A falta de um coorde<strong>na</strong><strong>do</strong>r/orienta<strong>do</strong>r (patrão) deixa-o angustia<strong>do</strong>, desampara<strong>do</strong>, não sabe qual atitude tomar, poden<strong>do</strong> chegar ao ostracismo. Com o processo de desenvolvimento o gaúcho peão deparou-se com novas experiências. A redução <strong>na</strong> oferta de trabalho e o cercamento das terras levou-o a modificar a forma como garantia a subsistência. Do trabalho e a segurança das estâncias para a vida, relativamente, autônoma <strong>na</strong> condição de posteiro ou de trabalha<strong>do</strong>r rural (<strong>do</strong>no <strong>do</strong>s meios de produção – peque<strong>na</strong> extensão de terra), da segurança à insegurança, da altivez e arrogância à angústia e timidez. Para o gaúcho peão foram séculos de vida (gerações) sob o olhar e cuida<strong>do</strong> <strong>do</strong> gaúcho estancieiro, a mudança decorrente <strong>do</strong> processo de desenvolvimento modificou seu estilo de vida levan<strong>do</strong>-o a transformação de peão-<strong>em</strong>prega<strong>do</strong> a agricultor-proprietário. Este último ainda não totalmente assimila<strong>do</strong>. Ainda encontra-se angustia<strong>do</strong>. Por conta <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e das dificuldades de adaptabilidade é estigmatiza<strong>do</strong> e despreza<strong>do</strong>. A estigmatização, num grupo submisso, marca profundamente o aspecto psicológico. Conforme Elias e Scotson (2000), sobre o psicológico, o poder está vincula<strong>do</strong> à autoconfiança <strong>do</strong> indivíduo ou grupo, maior poder pode si<strong>na</strong>lizar, relativamente, valor humano mais eleva<strong>do</strong>. Nos grupos estigmatiza<strong>do</strong>s, caso <strong>do</strong> gaúcho peão, o estigma incorpora<strong>do</strong> leva a vivenciar afetivamente a inferioridade de poder como um si<strong>na</strong>l de inferioridade huma<strong>na</strong>. Assume o vagabun<strong>do</strong>, o preguiçoso, e todas as outras identificações de caráter depreciativo, o oposto também é verdadeiro. Transformar características <strong>em</strong> qualidades positivas ou negativas depende da forma de olhar tal objeto como, também, de conseguir reduzir ou modificar as hierarquias de poder – das questões que estão <strong>em</strong> disputa. Freitas (1980, p. 51-52) dá um ex<strong>em</strong>plo de como os estigmas pod<strong>em</strong> ser desqualifica<strong>do</strong>s, ou melhor, relacio<strong>na</strong> características psicológicas ao meio (relacio<strong>na</strong>l – externo), não as identifican<strong>do</strong> como el<strong>em</strong>ento próprio (interno) da perso<strong>na</strong>lidade <strong>do</strong> indivíduo como geralmente consideram ao estigmatizar um indivíduo ou grupo. A vida <strong>do</strong> gaúcho, erran<strong>do</strong> de estância <strong>em</strong> estância, <strong>em</strong> busca de trabalho, é inculcada como vagabundag<strong>em</strong>, fruto de uma i<strong>na</strong>datação social. Transforma-se a falta de trabalho <strong>em</strong> horror ao trabalho. Pretende-se que o espírito de independência e liberdade o tor<strong>na</strong>va infenso à família, quan<strong>do</strong> <strong>na</strong> verdade é que não podia sustentar uma família: os estancieiros não queriam saber de peão com mulher e filhos, pois estes, no mínimo, comiam, o que impunha um maior salário. 154 Pode-se dizer que esta responsabilidade diz respeito, não só, ao indivíduo gaúcho peão (si próprio), mas também ao grupo familiar. Na historiografia regio<strong>na</strong>l, o gaúcho peão é construí<strong>do</strong> como um indivíduo solitário, s<strong>em</strong> família e posses. Entretanto, reconhec<strong>em</strong>os que parte <strong>do</strong>s gaúchos, que vivia sob a condição de peão, tinha família, principalmente quan<strong>do</strong> se fixava, sob favor, <strong>em</strong> terras alheias (posteiro). 70
Sen<strong>do</strong> antes de tu<strong>do</strong> um solitário, não tinha que fazer <strong>na</strong>s horas vagas; suas únicas distrações eram o jogo, a cordeo<strong>na</strong> e o álcool. (...) O gaúcho não era um folgazão, como se apregoa – era um desgraça<strong>do</strong>. Qualifica-se de independência, o que <strong>na</strong> realidade não passava de dependência frente ao pontea<strong>do</strong>. Celebra-se sua lealdade ao estancieiro quan<strong>do</strong> trabalha por um parco salário, ou quan<strong>do</strong> luta e morre por ele <strong>na</strong>s revoluções. O tão fala<strong>do</strong> centauro <strong>do</strong>s pampas não passava, a dizer verdade, de um pobre-diabo s<strong>em</strong> eira n<strong>em</strong> beira. O gaúcho peão, pelas características <strong>do</strong> seu trabalho e meio (solitário e disperso), não tinha força e poder, como classe, para lutar pelos seus interesses e contra os estigmas, subordi<strong>na</strong>n<strong>do</strong>-se aos interesses da classe <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte e inferioriza<strong>do</strong> como ser humano. Inferiorização identificada a aspectos étnicos. Inferimos das palavras de Freitas (1980) que aos degrada<strong>do</strong>res, <strong>em</strong> certa medida, faltou sensibilidade e respeito a um grupo que defendeu os interesses da sociedade <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte. Entretanto, cabe ressaltar, que a relação hierárquica gaúcho peão-gaúcho estancieiro produz e reproduz tanto a psique quanto as condições sociais <strong>do</strong> gaúcho peão e <strong>do</strong> gaúcho estancieiro. Relacio<strong>na</strong>r as dificuldades de desenvolvimento da Metade Sul <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul à estrutura étnica pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte <strong>na</strong> região pode ser considera<strong>do</strong> um desrespeito a essa sociedade e atestar o desconhecimento sobre a formação histórica cultural dessa população. 71
- Page 1 and 2:
UFRRJ INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANA
- Page 3 and 4:
307.1412 F438r T Fialho, Marco Ant
- Page 5 and 6:
empréstimo do Fusca, companheiro d
- Page 7 and 8:
3.2.3 Acomodação frente à realid
- Page 9 and 10:
RESUMO FIALHO, Marco Antônio Verar
- Page 11 and 12:
Antecedentes INTRODUÇÃO Neste tra
- Page 13 and 14:
A pobreza não está distribuída d
- Page 15 and 16:
entendimento, evidenciada pela aqui
- Page 17 and 18:
ural. 28 Como características, a m
- Page 19 and 20:
de Elias é audaciosa, a qual supõ
- Page 21 and 22:
Os Rincões: uma aproximação ao a
- Page 23 and 24:
fatores que potencializaram o proce
- Page 25 and 26:
físico e social num processo cont
- Page 27 and 28:
instigavam à solidão. O gaúcho -
- Page 29 and 30: sesmaria do coronel de milícia Pau
- Page 31 and 32: dificuldades - falar da participaç
- Page 33 and 34: A terceira hipótese: A região e o
- Page 35 and 36: para o sistema capitalista, reflexo
- Page 37 and 38: portugueses que viviam em Buenos Ai
- Page 39 and 40: Retomando Cruz (1984), nos document
- Page 41 and 42: margem do Rio Uruguai. A resistênc
- Page 43 and 44: No final do século XVIII, a procur
- Page 45 and 46: elações móveis que a essa altura
- Page 47 and 48: Mas quem era esse gaúcho? O gaúch
- Page 49 and 50: características, relações sociai
- Page 51 and 52: Vianna (1987, p. 94), numa perspect
- Page 53 and 54: apurada, poderia-se supor que a par
- Page 55 and 56: Em comparação com as fazendas dos
- Page 57 and 58: moral e fisicamente. Os negros, ra
- Page 59 and 60: casa. É clássica essa hospitalida
- Page 61 and 62: O índio, segundo Saint-Hilaire (19
- Page 63 and 64: virilidade, para que com o cavaleir
- Page 65 and 66: constrói sua argumentação no pas
- Page 67 and 68: Gaúchos. A distribuição espacial
- Page 69 and 70: a solidariedade assumiram outra dim
- Page 71 and 72: São contribuições que destacamos
- Page 73 and 74: sentimento de similitude está mais
- Page 75 and 76: transformando qualidades em defeito
- Page 77 and 78: ou estendida para uma forma democr
- Page 79: caudilho local. Essa íntima convic
- Page 83 and 84: Retomando a questão sobre os habit
- Page 85 and 86: Rio de Janeiro e de apreensões de
- Page 87 and 88: Minas Gerais, e para as lavouras de
- Page 89 and 90: Jaguarão, Pedro Osório, Pelotas,
- Page 91 and 92: (Revolução Farroupilha e de 1893)
- Page 93 and 94: Em 1858 o comerciante J. Rheingantz
- Page 95 and 96: mudaram para o Uruguai e Pelotas.
- Page 97 and 98: ural foi mais acentuado que da urba
- Page 99 and 100: estrangeiros no Estado) tenha ocasi
- Page 101 and 102: expansão do setor de conservas veg
- Page 103 and 104: que ainda persistia na década de 1
- Page 105 and 106: humanamente inferior, e vice-versa
- Page 107 and 108: elevo suave, nas mais acidentadas,
- Page 109 and 110: venda ou de partilha de herança, 2
- Page 111 and 112: feijão-milho está distribuída po
- Page 113 and 114: O pêssego ganha destaque na regiã
- Page 115 and 116: extrato de tomate, mas os principai
- Page 117 and 118: Há outros relatos que dão conta d
- Page 119 and 120: então tinha mais tempo de sair, ti
- Page 121 and 122: CAPÍTULO III UM PÉ NO ESTRIBO E O
- Page 123 and 124: adequadas como, por exemplo, a Serr
- Page 125 and 126: meios de comunicação colaboraram
- Page 127 and 128: masculina. As transformações que
- Page 129 and 130: Logo depois os comerciantes da regi
- Page 131 and 132:
abelhas, milho, trigo, e galinhas e
- Page 133 and 134:
(faca), que estava sempre presente
- Page 135 and 136:
de caça, utilizado para levantar o
- Page 137 and 138:
3.2.1 Heranças de um passado long
- Page 139 and 140:
natureza, absorve e internaliza par
- Page 141 and 142:
histórico de longo prazo analisado
- Page 143 and 144:
O posicionamento frente ao entrevis
- Page 145 and 146:
Tem muitas pessoas que pensam assim
- Page 147 and 148:
O povo que viveu durante séculos n
- Page 149 and 150:
e no acúmulo de informações que
- Page 151 and 152:
O senhor Alfredo (43 anos), agricul
- Page 153 and 154:
técnicos agrícolas. Encontramos o
- Page 155 and 156:
a vida cultural plena. A emergênci
- Page 157 and 158:
anos) podem ajudar a compreender um
- Page 159 and 160:
uma espécie de dominação pela mu
- Page 161 and 162:
casinha de material, era mais casin
- Page 163 and 164:
pela restrição de terra, mas, ent
- Page 165 and 166:
situações. O isolamento também r
- Page 167 and 168:
egião lembra que a mulher só freq
- Page 169 and 170:
estringiam a compra em pequena quan
- Page 171 and 172:
verdade: eu fui um homem que comeu
- Page 173 and 174:
processo. Entretanto, há situaçõ
- Page 175 and 176:
só cabeça, falarão com mais for
- Page 177 and 178:
liberais, 441 os mecanismos de cont
- Page 179 and 180:
imputando-nas garra e perseverança
- Page 181 and 182:
fui. Foram lá de ônibus, mas não
- Page 183 and 184:
produtiva, restringindo a integraç
- Page 185 and 186:
produzem, em vez de assimilação,
- Page 187 and 188:
A fé católica exaltada como eleme
- Page 189 and 190:
produtiva, mas esbarra na restriç
- Page 191 and 192:
autocrítica, produzindo novas conc
- Page 193 and 194:
inovação. Enfim, quando há uma m
- Page 195 and 196:
Retomando as atitudes dos agriculto
- Page 197 and 198:
auto-estima e confirmando condiçõ
- Page 199 and 200:
especialização na atividade, 499
- Page 201 and 202:
próprio ao amor ao próximo, aos f
- Page 203 and 204:
do Rincão dos Maia. Observamos a i
- Page 205 and 206:
impostas pela sociedade, produzindo
- Page 207 and 208:
como formas sociais avançadas e su
- Page 209 and 210:
epresentante local, observou-se na
- Page 211 and 212:
pouco relembradas, foi possível pe
- Page 213 and 214:
também, pelos mesmos fatores da an
- Page 215 and 216:
sociedades, e para destacar a capac
- Page 217 and 218:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACANDH
- Page 219 and 220:
FLORES, Moacyr. História do Rio Gr
- Page 221 and 222:
Treinamento das Comissões Locais d
- Page 223:
ANEXO 1 Localização do Município