99A partir do exposto, compreendemos e aceitamos que, para realizarmosescolhas, necessitamos do conhecimento e de critérios (cognição). ―O que lembrar‖,porém, a direção e o caminho a serem tomados dependem dos nossosinvestimentos afetivos e dos valores que estabelecemos, ―por que lembrar‖. Issoequivale a aceitar que essas considerações são válidas ―para todo e qualquerprojeto de vida. Trata-se de uma busca, e ela é orientada por valores. Trata-se doexercício de uma vontade, e esta somente desperta se houver valores‖ (2009, p. 44).Por exemplo, se a educação tem valor para alguém, ele investe em educação.Mesmo em frente a obstáculos, busca alternativas, possibilidades para mudar asituação. Porém, se essa não é valorizada, não há envolvimento.Outra consideração que é importante tecer é em relação à questão daautonomia e da heteronomia dos indivíduos em nossa sociedade que autorproblematiza. Sempre, segundo La Taille, as pesquisas da psicologia assim como dasociologia têm apontado para a tendência que as pessoas têm para aderirem ideiase valores que circulam no meio social em que vivem. Tanto Milgram (1974) comoGustavo Le Bon (1963), citados pelo psicólogo, concordam com essa tese. Ou seja,as crenças e comportamentos variam e muito de acordo com o contexto.Exemplos dessa afirmação estão em pessoas que sozinhas agem de umamaneira e quando estão em grupos mudam de comportamento. Um indivíduoquando está só age de um modo e quando imerso numa torcida pode até ―depredar,ferir e até matar‖ (LA TAILLE, 2009, p. 44). Esse comportamento é perceptíveltambém numa sala de aula. Temos adolescentes que quando não estão com a sua―turma‖, ―bando‖, ―tribo‖, ―bonde‖, se comportam de uma maneira, são muito maissalientes, mostram-se por vezes agressivos, necessidade de liderar, de se impor, decontrariar. Porém, quando estão sós, mostram-se bem diferentes, são capazes deconversar com o professor, debater um assunto, argumentar e não têm essanecessidade de mostrarem-se superiores aquele que está a sua frente.Desse modo, La Taille argumenta:Por trás da busca das variáveis sociais que desencadeiam a violência, háimplícita-uma tese psicológica: os indivíduos são facilmente influenciáveispelo contexto e momento histórico em que vivem. Dito de outra maneira: osindivíduos carecem de autonomia. (2009, p. 45).
100Mostra-nos o autor, que a heteronomia se apresenta como uma porta abertapara a ―valsa de valores‖ de nossa sociedade que aponta Baumann. Por outro lado,um sujeito autônomo é impermeável aos fenômenos da moda e de seu entornosocial. A autonomia, de acordo com o psicólogo, ―é uma conquista laboriosa, quepressupõe um longo percurso de desenvolvimento pessoal. Dito de outra forma, aautonomia, sobretudo no que tange a ideais ideológicos, morais e éticos, écaracterística de pessoas mais velhas‖ (2009, p. 45-46). Ou seja, são essas que jásuperaram as dependências heterônomas.Essa ideia desenvolvida por La Taille de que as pessoas mais velhas sãomais bem sucedidas nos dias atuais no desenvolvimento e conservação de valores afim de orientar suas vidas, é porque, essas, num outro momento mais estávelpuderam elaborar esses conceitos. Pensamento esse também defendido porDeleuze (2004), quando afirma que atravessar o deserto é bem diferente de nascerno deserto.La Taille, a partir dos estudos de Deleuze, explica que ―quem não nasceu noreferido deserto pode ter provisões para atravessá-lo, para resistir psicologicamenteenquanto dura o vazio. Porém, ―o que é terrível é nele nascer, é crescer no deserto‖(2009, p. 46). Percebemos que esse é um aspecto que devemos entender e darmais atenção quando convivemos quase que diariamente com conflitos nas relaçõesque se estabelecem entre os adolescentes, jovens e adultos. Aceitar a tese do autorde que os adultos têm mais provisões e reservas de valores para orientar suasvidas, enquanto que os jovens não.Os adolescentes já nasceram nesse ―deserto‖ com falta de referências maisclaras e num mundo em que tudo vale. Um mundo que vive uma ―valsa de valores‖ e―achatamento de valores‖, que não oferece mais perspectiva no futuro, como jávimos anteriormente. Devemos nos questionar sobre o que nós adultos estamosfazendo para mudar essa situação. Estamos estimulando a imaginação para novasformas de vida, para a arte do ―bem viver‖ ou, como nos fala Cortella, estamossaqueando o futuro das novas gerações?A elas vimos negando o futuro e, com facilidade, ouvem de nós aterradoresprognósticos. (Não haverá futuro! Não haverá emprego! Não haveránatureza!) Também desqualificamos o presente e o passado delas (Isso nãoé vida; vocês não sabem brincar! Vocês não tiveram infância! Isso quevocês comem é só porcaria! Isso não é música, é barulho!). (CORTELLA,2010, p. 39-40).
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