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Estética - OUSE SABER!

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52 Michol Fourm ilt - Ditos e Escritos<br />

Tenho a impressão de que nessa relação da linguagem com<br />

sua infinita repetição uma mudança se produziu no fim do século<br />

XVIII - quase coincidindo com o mom ento em que a obra<br />

de linguagem se tornou o que ela é agora para nós, ou seja, literatura.<br />

É o momento (ou quase) em que Hölderlin percebeu até<br />

a cegueira que ele não poderia mais falar a não ser no espaço<br />

marcado pelo circuito dos deuses e que a linguagem não devia<br />

mais senão ao seu próprio poder manter a m orte afastada.<br />

Então se desenhou embaixo do céu essa abertura em direção à<br />

qual nossa palavra não cessou de avançar.<br />

Por muito tempo - desde a aparição dos deuses homéricos<br />

até o afastamento do divino no fragmento de E m p é d o c le -, falar<br />

para não morrer teve um sentido que nos é agora estranho. Falar<br />

do herói ou em herói, querer fazer algo com o uma obra, falar<br />

para que os outros falem dela ao infinito, falar para a “glória"<br />

era avançar em direção e contra essa m orte que afirma a<br />

linguagem; falar como os oradores sagrados para anunciar a<br />

morte, para ameaçar os homens com este fim que ultrapassa<br />

qualquer glória era também invocá-la e lhe prom eter uma imortalidade.<br />

É, por outro lado, dizer que toda obra era feita para<br />

terminar, para se calar em um silêncio no qual a Palavra infinita<br />

iria retomar sua soberania. Na obra, a linguagem se protegia<br />

da morte por essa palavra invisível, essa palavra de antes e depois<br />

de todos os tempos dos quais ela se fazia apenas o reflexo<br />

logo encerrado em si mesmo. O espelho ao infinito que toda linguagem<br />

faz nascer assim que ela se insurge verticalmente contra<br />

a morte, a obra não o tornava visível sem rechaçá-lo: ela colocava<br />

o infinito fora dela mesma - infinito majestoso e real do<br />

qual ela se fazia o espelho virtual, circular, rematado em uma<br />

bela forma fechada.<br />

Escrever, hoje, está infinitamente próxim o de sua origem.<br />

Isto é, desse ruído inquietante que no fundo da linguagem<br />

anuncia, logo que se abre um pouco o ouvido, aquilo contra o<br />

que se resguarda e ao mesmo tempo a quem nos endereçamos.<br />

Como o inseto de Kafka, a linguagem escuta agora no fundo da<br />

sua toca esse ruído inevitável e crescente. Para se defender dele,<br />

é preciso que ela lhe siga os movimentos, que se constitua seu<br />

fiel inimigo, que só deixe entre eles a finura contraditória de um<br />

tabique transparente e inquebrável. É preciso falar sem cessar,<br />

por tanto tempo e tão forte quanto esse ruído infinito e ensurdecedor<br />

- por mais tempo e mais forte para que, misturando sua

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