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Estética - OUSE SABER!

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248 Michel Foucault - Ditos e Escritos<br />

do conjunto, as grossas lâminas do assoalho, tudo faz pensar<br />

em um quadro-negro em uma sala de aula: talvez um pedaço de<br />

pano vá apagar dentro em pouco o desenho e o texto; talvez ele<br />

só vá apagar um ou o outro para corrigir o “erro” (desenhar alguma<br />

coisa que não será verdadeiramente um cachimbo, ou escrever<br />

uma frase afirmando que é certamente um cachimbo).<br />

Qüiproquó provisório (um “mal-escrito”, como se diz, um malentendido)<br />

que um gesto vai dissipar em uma poeira branca?<br />

Mas essa é ainda a menos importante das incertezas. Eis outras:<br />

há dois cachimbos. Ou melhor, dois desenhos de um cachimbo?<br />

Ou também, um cachimbo e seu desenho, ou também,<br />

dois desenhos, cada um representando um cachimbo, ou também,<br />

dois desenhos dos quais um representa um cachimbo,<br />

mas não o outro, ou também, dois desenhos que não são nem<br />

representam, nem um nem outro, cachimbos? E eis que me<br />

surpreendo confundindo ser e representar como se fossem<br />

equivalentes, como se um desenho fosse o que ele representa; e<br />

vejo bem que se eu devesse - e eu o devo - dissociar com cuidado<br />

(como me convidou a fazer há mais de três séculos a Lógica<br />

de Port-Royal) o que é uma representação e o que ela representa,<br />

eu deveria retomar todas as hipóteses que acabo de propor,<br />

e multiplicá-las por dois.<br />

Mas também me impressiona outra coisa: o cachimbo representado<br />

no quadro - madeira negra ou tela pintada, pouco importa<br />

-, esse cachimbo “de baixo” está solidamente preso em<br />

um espaço com pontos de referência visíveis: largura (o texto<br />

escrito, as bordas superiores e inferiores do quadro), altura (os<br />

lados do quadro, os montantes do cavalete), profundidade (as<br />

ranhuras do assoalho). Estável prisão. Em contrapartida, o cachimbo<br />

de cima está sem coordenadas. A enormidade de suas<br />

proporções torna incerta sua localização (efeito inverso do que<br />

se encontra no Le tombeau des lutteurs, no qual o gigantesco é<br />

captado no espaço o mais preciso): está esse cachimbo desmesurado,<br />

adiante do quadro desenhado, afastando-o para longe<br />

atrás dele? Ou então ele está em suspenso bem acima do cavalete,<br />

como uma emanação, um vapor que acabasse de se desprender<br />

do quadro - fumaça de um cachimbo tomando a forma e a<br />

redondeza de um cachimbo, se contrapondo e se assemelhando<br />

ao cachimbo (segundo o mesmo jogo de analogia e contraste<br />

que se encontra na série de Batailles de VArgonne, entre o vaporoso<br />

e o sólido)? Ou não seria possível supor, finalmente,

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