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Estética - OUSE SABER!

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1968 - Isto Nào É um Cachimbo 261<br />

como estão daquilo que nomeiam? Isso é um grafismo que só<br />

se assemelha a si mesmo e que não seria capaz de interessar a<br />

quem ele fala.” Há mais ainda: essas vozes se misturam, duas a<br />

duas, para dizer, falando do terceiro elemento, que “isto não é<br />

um cachimbo”. Ligados pela moldura do quadro que envolve os<br />

dois, o texto e o cachimbo de baixo entram em cumplicidade: o<br />

poder de designação das palavras, o poder de ilustração do desenho<br />

denunciam o cachimbo de cima, e recusam a essa aparição<br />

sem referência o direito de se dizer um cachimbo, pois sua<br />

existência sem vínculo a torna muda e invisível. Ligados por<br />

sua semelhança recíproca, os dois cachimbos contestam ao<br />

enunciado escrito o direito de se dizer um cachimbo, embora<br />

seja ele feito de signos sem semelhança com aquilo que designam.<br />

Ligados pelo fato de que eles vêm ambos de outro lugar, e<br />

de que um é um discurso suscetível de dizer a verdade, e de que<br />

o outro é como a aparição de uma coisa em si, o texto e o cachimbo<br />

de cima conjugam-se para formular a asserção de que o<br />

cachimbo do quadro não é um cachimbo. E talvez seja necessário<br />

supor que, além desses três elementos, uma voz sem lugar<br />

fala nesse enunciado, e que uma mão sem forma o escreveu; falando<br />

ao mesmo tempo do cachimbo do quadro, do cachimbo<br />

que surge acima e do texto que está começando a escrever, este<br />

anônimo dizia: “Nada disso é absolutamente um cachimbo;<br />

mas um texto que parece um texto; um desenho de um cachimbo<br />

que parece um desenho de um cachimbo; um cachimbo (desenhado<br />

como não sendo um desenho) que parece um cachimbo<br />

(desenhado à maneira de um cachimbo que não seria ele<br />

próprio um desenho).” Sete discursos em um só enunciado.<br />

Mais do que suficiente para derrubar a fortaleza em que a semelhança<br />

estava prisioneira da afirmação.<br />

Daí em diante, a similitude é remetida a ela própria - desdobrada<br />

a partir de si e redobrada sobre si. Ela não é mais o índex<br />

que atravessa perpendicularmente a superfície da tela para remeter<br />

a uma outra coisa. Ela inaugura um jogo de analogias<br />

que correm, proliferam, propagam-se, correspondem-se no<br />

plano do quadro, sem nada afirmar nem representar. Assim,<br />

em Magritte, esses perpétuos jogos da similitude purificada que<br />

jamais ultrapassa o exterior do quadro. Eles criam metamorfoses:<br />

mas, em que sentido? Será a planta cujas folhas voam e<br />

tornam-se pássaros, ou os pássaros que se afogam, lentamente,<br />

viram plantas e entranham-se na terra em uma última palpita­

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