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Estética - OUSE SABER!

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388 Michel Foucault - Ditos e Escritos<br />

É de praxe acreditar-se que uma cultura está mais ligada aos<br />

seus valores do que às suas formas, que estas, facilmente, podem<br />

ser modificadas, abandonadas, retomadas; que somente o<br />

sentido se enraíza profundamente. Isto é desconhecer o quanto<br />

as formas, quando se desfazem ou quando nascem, puderam<br />

provocar espanto ou suscitar ódio; é desconhecer que se dá<br />

mais importância às maneiras de ver, de dizer, de fazer e de<br />

pensar do que ao que se vê, ao que se pensa, diz ou faz. O combate<br />

das formas no Ocidente foi tão encarniçado, senão mais do<br />

que o das idéias ou dos valores. Mas as coisas, no século XX,<br />

adquiriram um aspecto singular: é o próprio “form al”, é o trabalho<br />

refletido sobre o sistema das formas que se tornou um<br />

risco. E um notável objet© de hostilidades morais, de debates<br />

estéticos e de afrontamentos políticos.<br />

Na época em que nos ensinavam os privilégios do sentido, do<br />

vivido, do carnal, da experiência originária, dos conteúdos subjetivos<br />

ou das significações sociais, encontrar Boulez e a música<br />

era ver o século XX sob um ângulo que não era familiar: o de<br />

uma longa batalha em torno do “formal”; era reconhecer como<br />

na Rússia, na Alemanha, na Áustria, na Europa Central, através<br />

da música, da pintura, da arquitetura ou da filosofia, da lingüística<br />

e da mitologia, o trabalho do formal tinha desafiado os<br />

velhos problemas e subvertido as maneiras de pensar. Deveria<br />

ser feita toda uma história do formal no século XX: tentar mensurá-lo<br />

como potência de transformação, destacá-lo como força<br />

de inovação e lugar de pensamento, mais além das imagens do<br />

“formalismo" atrás das quais se quis escamoteá-lo. E contar<br />

também suas difíceis relações com a política. Não se deve esquecer<br />

de que ele foi rapidamente designado, nos países estalinistas<br />

ou fascistas, como a ideologia inimiga e a arte execrável.<br />

Ele foi o grande adversário de dogmatismos de academias e de<br />

partidos. Os combates em torno do formal foram umas das<br />

grandes características da cultura no século XX.<br />

Para ir a Mallarmé, a Klee, a Char, a Michaux, como mais tarde<br />

para ir a Cummings, Boulez só precisava de uma linha reta,<br />

sem desvio nem mediação. Freqüentemente um músico vai à<br />

pintura, um pintor, à poesia, um dramaturgo, à música por intermédio<br />

de uma figura englobante e através de uma estética<br />

cuja função é universalizar: romantismo, expressionismo etc.<br />

Boulez ia diretamente de um ponto a outro, de uma experiência<br />

a outra, em função do que parecia ser não uma afinidade ideal,<br />

mas a necessidade de uma conjuntura.

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