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Estética - OUSE SABER!

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1968 - Isto Não É um Cachimbo 251<br />

Cercando duas vezes a coisa de que fala, ele lhe prepara a armadilha<br />

mais perfeita. Por sua dupla entrada ele garante essa<br />

captura, que o discurso sozinho ou o puro desenho não são capazes.<br />

Ele afasta a invencível ausência sobre a qual as palavras<br />

não conseguem triunfar, impondo-lhes, pelos artifícios de uma<br />

escrita brincando no espaço, a forma visível de sua referência:<br />

sabiamente dispostos sobre a folha de papel, os signos invocam,<br />

do exterior, pela margem que eles delineiam, pelo recorte<br />

de sua massa sobre o espaço vazio da página, a própria coisa da<br />

qual eles falam. E, em troca, a forma visível é esquadrinhada<br />

pela escrita, lavrada pelas palavras que a burilam desde o interior<br />

e, afastando a presença imóvel, ambígua, sem nome, fazem<br />

jorrar a rede das significações que a batizam, a determinam, a<br />

fixam no universo dos discursos. Dupla cilada; armadilha inevitável:<br />

por onde escapariam daí em diante o vôo dos pássaros,<br />

a forma transitória das flores, a chuva que cai?<br />

E, agora, o desenho de Magritte. Ele me parece ser feito dos<br />

pedaços de um caligrama desfeito. Sob as aparências de um retorno<br />

a uma disposição anterior, ele retoma suas três funções,<br />

mas para pervertê-las, e perturbar com isso todas as correspondências<br />

tradicionais da linguagem e da imagem.<br />

O texto que havia invadido a figura a fim de reconstituir o velho<br />

ideograma retomou agora seu lugar. Voltou ao seu lugar natural<br />

- embaixo: ali onde ele serve de suporte à imagem, a insere<br />

na seqüência das letras e nas páginas do livro. Ele se torna<br />

“legenda” outra vez. A própria forma ascende novamente ao seu<br />

céu, de onde a cumplicidade das letras com o espaço a haviam<br />

feito por um instante descer: livre de qualquer ligação discursiva,<br />

ela vai poder flutuar de novo em seu silêncio natural. Retor-<br />

na-se à página e ao seu velho princípio de distribuição. Mas<br />

apenas aparentemente. Pois as palavras que posso ler agora<br />

abaixo do desenho são palavras também desenhadas - imagens<br />

de palavras que o pintor colocou fora do cachimbo, mas no perímetro<br />

geral (e, aliás, indeterminável) do seu desenho. Do passado<br />

caligráfico que sou obrigado a lhes atribuir, as palavras<br />

conservaram sua pertinência ao desenho, e seu estado de coisa<br />

desenhada; de forma que devo lê-las sobrepostas a elas mesmas;<br />

elas são na superfície da imagem os reflexos das palavras<br />

que dizem que isso não é um cachimbo. Texto em imagem.<br />

Mas, inversamente, o cachimbo representado é desenhado com<br />

a mesma mão e a mesma caneta que as letras do texto: ele pro-

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